quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte Final

Era manhã ensolarada de domingo do dia 27 de novembro de 1977 quando o grupo de crianças cabralienses posou para uma foto após a missa na qual receberam a primeira eucaristia. Muitas águas passaram pelas barrancas do nosso querido Rio Alambari daquele dia até os atuais. O rio nem parece ser mais o mesmo sem suas curvas naturais e vazantes que formavam as lagoas, a água corre mais rápido, o tornando mais estreito e mais raso, devido também aos desmatamentos que provocaram seu assoreamento. Sem que percebessem, os rostinhos inocentes das crianças também foram mudando dia após dia. Cresceram e se tornaram moças e moços. FOTO: Crianças cabralienses que acabaram de receber a 1ª eucaristia no ano de 1977.

Muitos se casaram, tiveram filhos, mas ninguém se safou da força do tempo que transformou todos em homens e mulheres adultos, base da população economicamente ativa do município, estado e federação.

Não se deve entristecer quando o espelho começa a mostrar as primeiras rugas e fios de cabelos brancos. É à custa dessas conseqüências que vivemos. Estávamos no primeiro ano de gestão de José Madrigal Ruda, que iria de 01/01/1977 à 31/12/1982. A vicinal que liga Cabrália à Rodovia SP 225 estava sendo pavimentada e no período dessa administração seria construída a atual Rodovia pavimentada que liga Cabrália à Duartina. Cabrália teria seu primeiro bairro urbano com a construção pelo Programa Estadual “Nosso Teto”, do Núcleo Habitacional Antonia Orlato Madrigal I. Parte da Rua Francisco Bueno dos Reis também receberia pavimentação e iluminação do canteiro central.

A gestão de Nelson Gebara, de 01/01/1983 a 31/12/1988, surpreenderia muita gente pelo grande número de obras realizadas: construção do prédio da Prefeitura e Câmara, calçadão e piscina pública que, futuramente receberia a denominação de Centro Poliesportivo João de Oliveira (Juca) e algumas vias públicas receberiam pavimentação. O cerrado à direita do caminho do cemitério daria lugar ao Jardim Nova Mirante, com construção e loteamento realizados por empresa privada. Atraídas por quantidade de reflorestamento, o que propiciava fartura de madeira na região, as indústrias do setor foram se instalando no município, gerando grande número de mão-de-obra e colocando Cabrália como referência no seguimento madeireiro.

José Madrigal Ruda volta à prefeitura para seu segundo mandato, de 01/01/1989 à 31/12/1992. Surge o maior núcleo habitacional de Cabrália , obra realizada pela CDHU (Cabrália A), denominado Antônia Orlato Madrigal II. Parte da estrada vicinal que liga Cabrália à Floresta é pavimentada. Muitas ruas de Cabrália também recebem pavimento, mas necessitariam de grandes reparos nas próximas administrações.

Luis Lourenço Filho, com mandato de 01/01/1993 a 31/12/1996, toma posse como prefeito, melhora a remuneração dos servidores públicos municipais e cria o Departamento de Assistência Social. Investe nas estradas rurais e as melhora significativamente. Através do deputado federal José Habraão (ex-morador de Cabrália), firma convênio para construção do Núcleo Habitar Brasil. A partir da segunda metade da administração passaria por turbulências em um governo marcado por desarmonia entre o executivo e o legislativo, além de denúncias de irregularidades.

Wilson Antonio Vicentini toma posse em 01/01/1997, com mandato até 31/12/2000. Constrói o Núcleo Habitacional Habitar Brasil, priorizando o assentamento dos moradores da Colônia Fepasa e do Conjunto de casas de madeira, de frente à Rua dos Ferroviários, que é demolido. O Ginásio de Esportes, no final da Rua Francisco Krall, é construído., porém, não é inaugurado por detalhes de acabamento. São realizadas obras de pavimentação e recapeamento em alguns bairros. Na área da educação constrói o prédio da EMEI Maria de Jesus Pereira Camponês. Teria um governo marcado por forte investimento na área social, mas com denúncias de irregularidades.

Nelson Gebara (01/01/2001 – 31/12/2004) volta a ocupar a cadeira maior do município quase 20 anos depois. Não consegue repetir o mesmo governo biônico que havia marcado o seu primeiro mandato. Cria o projeto que municipaliza a educação de ensino básico e investe em melhorias das condições de coleta de lixo. Terceiriza o abastecimento de água e esgoto, tomando assim uma medida impopular, mas necessária devido aos maus costumes da época.

Jacintho Zanoni Fillho vence a eleição que teve o maior número de concorrentes (6) em toda a história do município. Com mandato de 01/01/2005 à 31/12/2008, surpreende muita gente em um governo cheio de realizações e convênios muito importantes para a municipalidade, como a Estação de Tratamento de Esgoto (uma de suas maiores conquistas), constrói o Núcleo Habitacional Jacintho Zanoni (Cabrália B) em parceria com a CDHU e mutuários, reforma muitos locais públicos em péssimo estado, como o Mirante Club e o Estádio José Ghinelli, e termina a obra do Ginásio de Esportes na Rua Francisco Krall, que é inaugurado. Grande parte das vias públicas é pavimentada e recapeada. Na área da educação constrói o prédio da EMEF. É reeleito com mandato previsto para o período de 01/01/2009 à 31/12/2012. No país o regime militar deu lugar à democracia. A constituição de 1988 mudou os rumos e costumes da nação. O capitalismo perde espaço para os ideais socialistas e os partidos políticos de esquerda crescem.

Na economia o cruzeiro torna-se cruzeiro novo, cruzado, cruzado novo e novamente cruzeiro. Criam a URV até a estabilização da moeda chamada real. Não seria fácil a adaptação da ciranda financeira de mega inflação, momentos de deflação e estabilidade recessiva. Potências econômicas sucumbiram, dando lugar aos emergentes. Outras religiões foram difundidas e cresceram, diminuindo a hegemonia católica. A tecnologia e o mundo digital mudaram os hábitos da população do planeta. Os índices de criminalidade aumentam juntamente com o narcotráfico.

A perda de valores familiares e a falta de paternidade se tornam fatores preocupantes. Assim como centenas de municípios de pequeno porte que se tornam a maioria, distribuídos pela federação, Cabrália Paulista se desenvolve lentamente. Meios de comunicação distintos e respeitados divulgaram recentemente o resultado de um estudo sobre economia, desenvolvimento urbano e futuro da humanidade. Segundos dados de pesquisas, o futuro da humanidade é urbano e a tendência é que a população se aglomere cada vez mais em grandes metrópoles. No Brasil a previsão é que capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, entre outras, tenham um crescimento populacional surpreendente nas próximas décadas, chegando a ficarem intransitáveis se medidas sérias não forem tomadas. O direito de ir e vir se tornaria inviável (seria parcialmente banido do cidadão). O estudo também apontou uma estabilidade econômica e demográfica para os pequenos municípios, como Cabrália. Obviamente que fatores isolados farão de alguns pequenos municípios brasileiros, raras exceções, sendo os dados estatísticos uma tendência e não uma uniformidade. O estudo apontou ainda que a renda per capita seria menor nas pequenas cidades, o que culmina com maior índice de pobreza.

Nos primeiros capítulos dessa história vimos que Cabrália foi projetada para ser cidade grande. O destino não quis. A qualidade de vida, ao invés da quantidade populacional certamente será o bem aventurado caminho dos pequenos municípios, à exemplo de Moisés em busca da terra prometida. A água potável se torna mais escassa a cada ano no planeta e se torna uma das maiores preocupações para o futuro da humanidade. Nossa região está sobre o Aquífero Guarani, o maior reservatório natural de água doce do mundo. Cabrália Paulista é um dos municípios onde o lençol do aqüífero se apresenta em menor profundidade. Por isso, a preservação de nossos recursos naturais deve ter um sentido maior perante outros fatores de menor relevância, afinal “a água viva ainda está na fonte”. Fica a grande incerteza, preocupação e desafio se as próximas gerações de cabralienses conseguirão se manter no município onde, apesar de todas as dificuldades, a maioria das crianças da geração anterior conseguiu. Esta coluna conseguiu contar parte de uma história com menos de 100 anos.

FOTO: Cristo redentor do principal trevo de entrada de Cabrália Paulista.

Considerando que existem países de cultura milenar e que o planeta terra também tem cerca de quatro bilhões e meio de anos, temos muito a caminhar. A mensagem que o narrador dessa história deixa ao povo de Cabrália, que são os verdadeiros autores dela (já que foi contada por eles), é a mesma estampada no pedestal do Cristo Redentor na entrada de nossa cidade: “Cristo, filho de Deus, seu olhar e sua benção sobre Cabrália, seu povo e visitantes”.


Os irmãos Garbulio, proprietários do Supermercado Vitória se aposentariam e venderiam a loja na próxima década. O caçula dos irmãos abriria um mercadinho na esquina diagonal com o Jardim Municipal e também se aposentaria em breve. Seu filho mais velho (que aparece como sanfoneirinho no capítulo 12 é também um dos meninos da primeira fila na foto da eucaristia), na época já maior de idade, resolve continuar com o negócio.


FOTO: Placa com mensagem fixada no pedestal do Cristo Redentor.

No ano de 1988 o mercadinho muda de endereço para a Rua Antonio Moreno Garrido Sobrinho, onde permanece até os dias atuais. Já se vão 24 anos somente da 3ª geração de comerciantes da família. No ano de 2010, a família Garbulio completou 60 anos distribuídos em três gerações de contato comercial direto, junto à Cabrália e seu povo. Ainda ficou muita história para contar.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 14

O prefeito Benedito de Almeida Teixeira conduzia com cautela a administração, restando apenas poucos meses para o término do mandato. Chegava então a época de uma sucessão democrática que seria acirrada entre as partes.

O candidato da oposição, representado por Osney Martins Sampaio (ARENA) e forte bancada legislativa se apresentava como favorito na disputa. Porém, o candidato que representava o partido da situação (MDB) era o respeitadíssimo político Zeca Pereira, que em uma arrancada fantástica nos últimos meses de campanha iguala a disputa em uma campanha cheia de denúncias de infidelidade partidária por parte dos vereadores que teoricamente representavam a oposição. Uma ocorrência muito triste ocorreria às vésperas do pleito eleitoral. O falecimento da mãe do candidato Zeca Pereira deixa toda Cabrália enlutada. Sua bondade e carisma transformaram-na numa pessoa querida por todos.

FOTO: Zeca Pereira e Toninho Ghinelli sendo diplomados prefeito (3º mandato) e vice respectivamente

No dia seguinte a população entristecida cumpre o dever cívico e elege Zeca Pereira para seu terceiro mandato como prefeito do município.


Seu irmão Antonio Geraldo Pereira, que era candidato a vereador tem votação recorde (ainda não quebrado até os dias atuais). O vice de Zeca Pereira nesta administração foi Domênico Antonio Ghinelli. No passado, nos tempos de Jânio e Ademar, teriam sido opositores. E a 7ª Legislatura do município, com o mandato de 01/01/1973 à 31/12/1976, ficou assim composta:
- Anízio Vilani;
- Antonio Geraldo Pereira;
- Antonio Vaz de Lima;
- Benedito Rocha;
- Carlos Teixeira;
- Flávio dos Santos Camponêz;
- Guido Aparecido Branco;
- Joaquim Rodrigues Andrade;
- Rubens Carlos Pimentel.

Neste pleito tivemos um fato inédito no que se diz respeito à eleição proporcional. Todos os cinco vereadores do Partido da ARENA foram eleitos e pelo coeficiente eleitoral somente um do MDB. Faltaram três cadeiras para completar o nº de vereadores e foi necessária a realização de outra eleição somente para vereador.
Em 7 de maio de 1975, o vereador Flávio dos Santos Camponês faleceria vítima de um trágico acidente de trânsito. Em seu lugar assumiria o suplente Alceu Ferreira.
Em seu terceiro mandato como prefeito de Cabrália, beneficiado pelo aumento da arrecadação devido às empresas que aqui se instalaram, Zeca Pereira consegue maior harmonia para as finanças, equilibrando receita e despesa em suas novas construções que se iniciavam.

O campo de futebol naquela época era totalmente aberto e de terra batida. Em sua volta existiam vários pés de eucaliptos que eram da mesma espécie e idade dos que tinham na estrada chamada “Caminho do Cemitério”, hoje chamada “Avenida da Saudade”. A prefeitura municipal constrói então toda a estrutura do novo estádio que receberia o nome de José Ghinelli. Sua arquibancada receberia a denominação de “Solar do Caneta”, em homenagem a Alcidez Alves Ferreira (Caneta), voluntário no esporte, músico, jogador e torcedor assíduo do velho campo de terra batida. Ainda na área esportiva, foi construída a Quadra Poliesportiva atrás do Mirante Clube, à qual foi dado o nome de Maria Cecília Pereira, irmã do prefeito, que também faleceu tragicamente em outro acidente de trânsito. No mesmo quarteirão, e na mesma época foram também construídas as laterais do Mirante Clube, que até então tinha apenas o seu “corpo central”. Através de convênio com o estado, foi construído também neste mandato o prédio do centro de saúde.

FOTO: Time do Guarani FC de Cabrália no campo de futebol antes do início das obras. (Em pé: Osvaldo, Benjamin, Mario Caneta, Dito Sacoman e Mané Duarte. Agachados: Nino, Alcides, Tulin, Juca, Cesar e Pelé)

A prefeitura realizava também a pavimentação das Ruas Antonio Consalter Longo e Joaquim dos Santos Camponês, e coloca paralelepípedos nas paralelas entre ambas. Pavimentaria também parte das ruas Astor de Mattos Carvalho, Seis de Agosto e Manoel Francisco, pavimentações que foram cobradas dos moradores.

Dava-se continuidade ao projeto já desenvolvido no segundo mandato de Zeca Pereira d constuções civis, onde muitas casas de alvenaria foram construídas, ajudando a vida de munícipes. Vivíamos em uma época que o êxodo rural estava acontecendo em grande quantidade e as casas de madeira da zona rural estavam ficando vazias, o que deixava o custo da construção dessas casas de madeira infinitamente inferior ao da alvenaria. O prefeito do município tem então a idéia de alargar uma vilela e denominá-la de Rua dos Ferroviários em justa homenagem a todos os ferroviários que ajudaram na colonização do município (sendo que estava previsto que a Ferrovia encerraria suas atividades em breve). No quarteirão em frente a esta rua o prefeito constrói um conjunto de casas de madeira para o assentamento de diversas famílias cabralienses. Foi um “prato cheio” para seus opositores, que apelidaram o local de “Vila dos porcos” e assim ficou popularmente conhecida. Porém, o conjunto de casas de madeira não serviria somente para denegrir a imagem política do grupo que as construiu, mas também como lar de diversas famílias que ali residiram por quase três décadas. A “Vila dos Porcos”, como ficou vulgarmente conhecida, foi extinta na segunda metade dos anos 90, com a criação do Conjunto Habitar Brasil Luis Lourenço Filho.

Entraremos agora em mais um momento triste de nossa história. A Ferrovia anuncia o final de suas atividades na região, fato que futuramente aconteceria em outras regiões, em âmbito nacional, mostrando assim sua inviabilidade.
Já estávamos no final do terceiro mandato de Zeca Pereira e o prefeito contrata uma banda musical do próprio município, que voluntariamente fazia shows no coreto do jardim, alegrando nosso povo nas noites de final de semana em última homenagem à ferrovia. Ao fim do som da banda musical e do barulho característico dos trens quando passam, o que fica é um silêncio preocupante, que poderia ser visto nos olhos de todos que ali estavam. Vivenciaram ali um verdadeiro divisor de águas para o futuro não somente de Cabrália, mas para todas as estações onde o trem passava.

A oposição culpou Zeca Pereira pelo fim da Ferrovia, alegando que a banda musical estaria ali para festejar e não para homenagear. O episódio da fábrica de cerveja, que já foi relatado em capítulos anteriores, na administração de Francisco Bueno dos Reis (no qual nenhum cabraliense teve culpa), seria novamente lembrado, mas com versão distorcida, culpando o grupo político de Zeca Pereira pelo acontecido. Uma mentira contada várias vezes, por diversas pessoas, se transformava em verdade.


Desta vez não se encerrava somente um mandato, terminava a era do domínio político de Zeca Pereira e consequentemente daqueles que o apoiavam. Iniciava-se a predominância política de José Madrigal Ruda e seus correligionários do forte grupo político que se formava nesta época (interrompido provisoriamente pelo mandato de 1993 a 1996, com a vitória do opositor Luis Lourenço Filho).

foto: "José Pascon Rocha"
FOTO: O último trem que passou pela estação de Cabrália deixou a população triste e preocupada.

O regime militar imperava no Brasil. No município novas formas de governo seriam implantadas. O regime capitalista prevalecia na América.

Outra medida infeliz por parte do estado prejudicaria os recursos naturais do município neste período transitório. Seria a presença da Draga (máquina de esteira própria para lugares alagados) para alinhamento e limpeza do Rio Alambarí, com o objetivo de diminuir a intensidade das enchentes e aumentar as áreas cultiváveis. Foi o mesmo que “acabar com o carrapato matando a vaca”. Para o nosso Rio Alambari (Pirajaí, o rio dos peixes cor de prata) foi um desastre ambiental. Ele nunca mais seria o mesmo. Seus poços profundos margeados por inúmeras lagoas, berçário de várias espécies, ficaram somente na memória daqueles que tiveram o prazer de conhecê-lo.

O Supermercado Vitória, dos irmãos Garbulio, vivia o seu auge. Aliás, Vitória seria a melhor denominação que se poderia dar àquela casa de comércio de uma família cuja história vem sendo descrita desde os primeiros capítulos desta coluna. Há quase 30 anos no ramo do comércio na cidade, mal sabiam que a relação comercial da família com o povo cabraliense ainda não tinha atingido a metade de seu período.

terça-feira, 20 de julho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 13

Rompia outra primavera em Cabrália Paulista no ano de 1968 e muitos acreditavam que, se até o final do prazo para a realização das convenções partidárias municipais ninguém se apresentasse como candidato a prefeito, corria-se o risco de haver interdição do estado no município. Afinal, não existe cidade sem prefeito.

À custa de muita insistência por parte do partido que representava a situação no momento, o vice de Zeca, o senhor Antonio Moreno Garrido Sobrinho, aceita o desafio de se candidatar a prefeito do município. A oposição, por sua vez, não encontrou homem de tamanha coragem, sendo então Toninho Moreno o único candidato. Chegam as eleições e aparecem muitos votos brancos em protesto à crise financeira que assolava o município. Porém, a maioria absoluta aclama nas urnas o novo prefeito, que tinha como vice o senhor Benedito de Almeida Teixeira e a sexta legislatura, com mandato de 28/3/1969 a 31/12/1972, que ficou assim composta:

- Antonio Pimentel Filho;- Antonio Vaz de Lima;
- Francisco Krall;
- Domênico Antonio Ghinelli;
- Clóvis Magalhães de Mattos Carvalho;
- Hadeal Sing;
- José Lopes de Souza;
- José Soares Pereira;
- Nilton Portaluppi;
- Pedro Giacomini;


FOTO: O prefeito Antonio Moreno Garrido Sobrinho, durante a cerimônia simbólica de entrega das chaves.

Em menos de 90 dias de administração, o vereador Pedro Giacomini, por razões pessoais, renuncia ao mandato, assumindo sua vaga o suplente Antonio Geraldo Pereira. Em 8 de dezembro de 1971, o vereador José Lopes de Souza também renuncia e assume o suplente José Madrigal Ruda. O mandato turbulento, cheio de ocorrências e de renúncias de cadeiras legislativas, teria também um fim trágico no que diz respeito ao poder executivo.

O prefeito Toninho Moreno, como era chamado, após conseguir equilibrar as finanças do município, dá início à pavimentação da rua que futuramente receberia o seu nome. Mas não foi essa realização que marcaria o seu governo e sim a conquista daquilo que o município urgentemente precisava: a criação de emprego e renda.

FOTO: Maioria absoluta da 6ª legislatura do município. Da esquerda par a direita: Toninho Ghinelli, Nilton Portaluppi, Antônio Vaz de Lima, Zeca Pereira, Francisco Krall, Antonio Pimentel Filho “Badola” e José Madrigal Ruda.

A prefeitura, na época, realizava também uma obra de reforma e ampliação da Escola Técnica Agrícola, cujo diretor era um homem de descendência japonesa. Ele chama um dos funcionários da escola, o senhor Antonio Pimentel Filho, que também era vereador, e relata a ele que esteve em uma colônia japonesa, onde conheceu um empresário, que se mostrou interessado em expandir os negócios de ovicultura. A sede dos negócios estava instalada na cidade de Mogi das Cruzes. O empresário teria relatado que havia gostado muito da nossa região.

Então, o vereador procura o prefeito, que em seguida entra em contato com o diretor da empresa e o convida para uma visita ao município.
Durante a visita, o prefeito se dispõe a apoiar o empresário no que estivesse ao alcance do município. O empresário também mostra interesse em comprar uma área compatível com o seu empreendimento nos arredores do nosso perímetro urbano.

O vereador Antonio Vaz de Lima, que também trabalhava como corretor de imóveis, promete para o empresário que se empenharia em conseguir convencer o senhor Jorge Bez a vender sua propriedade e consegue ainda outro grande incentivo para a realização do negócio. Onde hoje fica a Fazenda Antonela era propriedade do senhor Merling Lowe, que se prontifica em doar alguns hectares da fazenda que fazia divisa com a área do senhor Jorge Bez, caso o negócio fosse concretizado para o bem de Cabrália. O vereador Vaz de Lima viaja a Mogi e marca uma data para um almoço na casa do prefeito de Cabrália com o proprietário da terra e o comprador. Do almoço, seguem para o cartório, para firmar o negócio. Dessa forma instalou-se no município a Granja Nagao (de Mário Nagao e outros), que a partir daí começou a contratar muitos funcionários, dando equilíbrio à economia de Cabrália. Em seguida, a Granja compra outra propriedade no município e, além da ovicultura, investe também na produção de frutas.

Com administração dos serviços na área agrícola do senhor Minoro Takeda, a Granja Nagao tranformava nossa arenosa terra para os padrões de cultivo e safras recordes que serviam de modelo na produção de frutas, atendendo mercados internos, em âmbito nacional, e externos.
Cabrália Paulista, seu povo e Granja Nagao... um bom encontro...talvez um dos melhores de nossa história.

Dizem que, para inaugurar Brasília, Juscelino Kubitschek exigiu dos setores competentes que grande parte da área rural que circundava a capital do país fosse ocupada por famílias de japoneses.
Certo dia, a colônia japonesa marcou audiência com o presidente da República e faz uma reclamação. “Excelentíssimo senhor Presidente da República, estamos felizes com a terra na qual fomos assentados...., mas a fertilidade é muito baixa, a terra é muito ruim”. E Juscelino responde: “Eu sei, por isso que eu preciso de japoneses”.
Os bons ventos sopravam a favor de Cabrália e seu povo. Em novos negócios de compra e venda, estimulados pela prefeitura e seu prefeito iluminado, empresas de reflorestamento iam-se instalando no município, gerando empregos e renda. A luz no fim do túnel brilhava em Cabrália.

Era final de julho de 1972. O prefeito de Cabrália teria de ir para São Paulo resolver alguns problemas ligados ao município e iria também visitar algumas secretarias em busca de novos convênios para a municipalidade. A creche de Cabrália havia ganhado uma cadeira de rodas e seus representantes aproveitam a carona juntamente com o prefeito e partem para a capital paulista.

Em um trevo da estrada, um ônibus corta a frente do carro que os conduzia. Acontece a colisão; algumas escoriações nos demais passageiros. Mas o prefeito de Cabrália....iluminado, que conseguiu para o nosso município o de que ele realmente precisava, morre tragicamente.

Em 26 de julho de 1972, o presidente da Câmara de Cabrália Paulista, senhor Nilton Portaluppi, usando de suas atribuições legais e amparado por legislação maior, declara então o vice-prefeito Benedito de Almeida Teixeira prefeito de Cabrália Paulista.

Benedito de Almeida Teixeira conduz o município com cautela, proporcionando-lhe uma tranqüila sucessão democrática, já que se aproximavam eleições municipais.

FOTO: Rua que futuramente receberia o nome do prefeito que a pavimentou.

Economicamente, era outra Cabrália! A Granja Nagao e as empresas de reflorestamento, somadas à corrida ruralista ao bicho da seda difundido na região faziam com que os horizontes de otimismo prevalecessem na aura do município.

O comércio de Cabrália daí por diante passaria a ter vida. A sofrida família de comerciantes acreditava ter encontrado o caminho para o sucesso. Loja cheia, coisa rara de se ver anteriormente, agora se via com frequência, mas o comércio é traiçoeiro: nem sempre loja cheia é sinônimo de loja lucrativa. O bom coração permitiu que um demônio chamado “fiado” dominasse o capital de giro do armazém. Levantamentos realizados na época mostravam a inviabilidade do negócio. Os irmãos Garbulio decidem então fazer uma mudança nos rumos da atividade.

Em Bauru já existia um tipo de comércio sem balcão de atendimento. O cliente se servia, colocando as mercadorias dentro de um carrinho e, no final da compra, passava pelo caixa. Foi seguindo esse modelo de comércio que inauguraram o Supermercado Vitória, com pagamento somente a vista. Foi negociado com os clientes para que continuassem comprando no estabelecimento e que as pendências anteriores fossem saldadas, acrescentando-as no valor das novas compras. Menos de 20% do valor total das pendências, de forma geral, seria recebido. Mas segundo o dito popular, “quando se perdem os dentes, Deus nos alarga a garganta”.
Cabrália, seu povo e, por conseqüência, seu comércio, sentiam claramente os bons ventos do progresso.




quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 12

Era primavera do ano de 1964 e o povo cabraliense absolvia Zeca Pereira nas urnas, confiando-lhe o segundo mandato como prefeito do município. Ele venceu o candidato da situação, apoiado pelo prefeito Toninho Ghinelli: o vereador Valdomiro Vieck.

O vice de Zeca Pereira foi Antonio Moreno Garrido Sobrinho e também tomava posse a seguinte Câmara de vereadores na gestão que ia de 28/3/1965 a 27/3/1969:
- Antonio Geraldo Pereira;
- Antonio Pimentel Filho;
- Antonio Vaz de Lima;
- Benedito de Almeida Teixeira;
- Clovis Magalhães de Mattos Carvalho;
- Domênico Antonio Ghinelli;
- Francisco Krall;
- Joaquim dos Santos Camponês;
- José Madrigal Ruda;
- Nylton Poartaluppi;
- Olavo Vieck.

A forma de governo imposta pelo prefeito seria a mesma que havia marcado seu primeiro mandato: construir sempre através de uma verdadeira obsessão em prosperar Cabrália. Se não conseguisse crédito no município, buscava em outras cidades da região, mas jamais se submeteria à inércia.

Encontrando dificuldades de aquisição ou pela inviabilidade de frete, a prefeitura desapropria parte da Fazenda São Luis, de Luís Checheto, e monta uma olaria.
A produção da olaria era para suprir a demanda de construção de obras que o prefeito Zeca Pereira já tinha em mente. Transformava então novamente Cabrália em novo canteiro de obras. Dava início à construção da nova cadeia (delegacia) de Cabrália. O prefeito desenvolve também na época um projeto municipal de construções civis, pelo qual a prefeitura construía o imóvel residencial e depois facilitava a forma de pagamento aos munícipes interessados. Dessa forma, dezenas de residências foram construídas em Cabrália, o que ajudou a população, ao realizar o sonho da casa própria, e diminuiu de maneira significativa o número de terrenos vagos na cidade.

FOTO: A Prefeitura da início as obras do prédio da Delegacia.

A prefeitura consegue adquirir outra máquina motoniveladora e o prefeito do município então tem outra idéia. Os leitores certamente se lembram da velha máquina motoniveladora que foi adquirida no governo de Francisco Bueno dos Reis, aquela sem a cobertura para o motorista, que tanto serviu o município e já foi citada várias vezes em capítulos anteriores.

Zeca Pereira convida o vereador Antonio Vaz de Lima para acompanhá-lo a uma viagem até o palácio do governo de São Paulo. As viagens do prefeito Zeca Pereira até São Paulo sempre foram marcadas por passagens folclóricas, segundo vários testemunhos e desta vez não seria diferente. Foi-me relatado que a gasolina do veículo que os conduzia acabou por várias vezes no caminho. Chegando à capital, pernoitaram no interior do veículo até conseguirem audiência. Conseguem então uma permuta com o Estado na velha motoniveladora com a pavimentação da Rua Mário Amaral Gurgel até na esquina da escola Senador Rodolfo Miranda e da Rua Francisco Bueno dos Reis entre a estação ferroviária até o Jardim Municipal.

FOTO: A primeira pavimentação em cabrália Paulista "desenhou" a letra "T" nas ruas Mario Amaral Gurgel e Francisco Bueno dos Reis

Também foi nessa gestão que foi construído o Mirante Club, que passou a ser o novo cartão postal do município e outro marco da administração de Zeca Pereira. A falta de lazer no município sempre foi motivo de reclamações, principalmente por parte da juventude. O Mirante Club passou a ser ponto de referência para os eventos festivos, entre eles os bailes de carnaval, que, naquela época, eram realizados geralmente em espaços internos. Os carnavais de Cabrália foram famosos e atraíram grande contingente de outras localidades.

Mas afinal, caros leitores, qual o significado da palavra mirante? Mirante, no sentido denotativo da palavra, quer dizer ponto elevado donde se descortina largo horizonte. Quando o município conseguiu sua emancipação político-administrativa, houve a divisão territorial entre os municípios e a cadeia montanhosa, ou seja, o mirante propriamente dito, que deu origem à denominação do vilarejo que no futuro tornou-se Cabrália Paulista, ficou pertencendo ao município vizinho de Piratininga (que outrora fora sede de Cabrália). O próprio título desta coluna (“O Mirante sem Montanhas”) demonstra claramente a situação.

FOTO: Os carnavais de Cabrália eram famosos na região

O segundo mandato de Zeca Pereira caminhava para seu crepúsculo e, novamente devido às obras realizadas, grandes dificuldades apareceram para dar equilíbrio ao orçamento, sendo as despesas fáceis de ultrapassar a precária receita do município, cuja recessão batia novos recordes.

Iríamos agora vivenciar um episódio curioso e inédito em nossa história. Aproximavam-se as eleições municipais e, devido talvez à crise financeira que o município atravessava, somada à grande recessão já mencionada (fato que culminava com uma baixíssima receita no orçamento), fazia com que ninguém se apresentasse como candidato a prefeito. Nem a oposição nem a situação apresentavam chapa para a disputa majoritária...ninguém queria ser prefeito de Cabrália.

Lutando para conseguir a sobrevivência no município, nossos personagens iam trilhando o rumo da história. O caçula da família de comerciantes casa-se com a filha do vizinho dos fundos, que já havia falecido. Sua sogra vende a casa ao vereador Antonio Vaz de Lima e a nova família vai morar na Rua Mário Amaral Gurgel. O irmão acima dele também se casa com a filha mais velha da família Sacoman e vai morar na antiga casa em que toda a família morava antes de comprarem a padaria, na Rua Fancisco Bueno dos Reis. O outro irmão, que havia tempos era casado e por muitas dificuldades na vida já tinha passado, muda-se para uma residência que ainda pertencia à Igreja, na esquina das ruas 7 de Setembro e 6 de Agosto. O mais velho dos irmãos da casa, o que ficara solteirão, tem seu quadro psicológico agravado. Torna-se depressivo e o caso evolui à psiquiatria. Para então de trabalhar, de tomar banho, de fazer a barba, de cortar as unhas, de trocar de roupas, começa a perambular pelas ruas e estradas da região e a fazer experiências malucas de alimentação à base de capim e ervas.
Um dos esteios da casa de repente se transforma em malvestido andarilho pelo mundo.

Para os leitores terem noção do quadro de recessão que tomava conta da cidade naquela época, a padaria (que era a única existente no município), na época, chegou a fazer meio saco de farinha de trigo por dia para sua demanda. Geralmente, contudo, em todas as tardes ainda sobrava pão para o cachorro Brucutu, o mascote da família.

Voltando ao irmão mais velho, oficialmente morava com sua mãe na casa dos fundos da padaria, junto com as irmãs, que ainda eram solteiras, mas era visto em quase todos os lugares da região e raramente em sua casa. No filme “Fuga de Alcatraz”, em certo momento chega ao presídio um novo detento que tinha em sua ficha de identificação uma importante observação que passa despercebida ao diretor do presídio: QI altamente elevado. Acredito ter feito falta essa informação aos hospitais psiquiátricos frequentados por nosso personagem, ou às pessoas normais que cruzaram seu caminho pelo mundo afora. Mestre no jogo de sinuca, quando chegava a algum bar da região, pedia para dar “uma tacada”, sendo geralmente hostilizado. Mas às vezes encontrava alguém que lhe concedia o taco. Acabava o jogo!

Muita gente começava a se reunir em volta da mesa. Quando observava que alguém começava a apostar em seu jogo, parava. Pegava seu saco cheio de bugigangas e ia embora. Para onde? Para outra estrada da região até algum conhecido avistá-lo e avisar sua família em Cabrália, que ia buscá-lo. Nos hospitais psiquiátricos onde ficou, os internamentos terminavam quando “abria a boca” para falar com alguém da chefia. Chegou até a ajudar na contabilidade de alguns. A alta do hospital era inevitável. Faleceria na próxima década, um ano antes que sua mãe, vivendo da forma que optou até seu último dia de vida.

A necessidade urgente de novos horizontes financeiros fizeram com que os irmãos alugassem o prédio de um tio paterno, prédio este que outrora fora a prefeitura e estava desativado, a fim de se aventurarem no ramo de secos e molhados, aproveitando que os proprietários que já estavam nessa atividade na cidade há muito tempo mostravam claramente o desejo de encerrá-las.


FOTO: Começavam a aparecer novos sanfoneiros na família.
Era preciso buscar novos horizontes.

O único candidato à cadeira maior do município que apareceria seria iluminado. Iria conquistar para Cabrália o que ela realmente mais precisava. Iria, porém, perder a própria vida por sua decisão.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 11

A última eleição direta para governador e presidente da república antes do golpe militar de 1964 camuflou as divergências partidárias existentes em Cabrália Paulista. Janistas satisfeitos com a presidência da república e ademaristas com o governo do estado, todos pareciam ter encontrado uma solução pacífica para seus desafetos.
A população do município, dividida entre as grandes realizações do governo anterior e o défice orçamentário, com que o município se encontrava, havia elegido na época o prefeito mais jovem do Brasil, do Partido Social Progressista (PSP), que era oposição ao partido de Jânio Quadros e Zeca Pereira, que foi representado por Benedito de Almeida Teixeira na disputa.
Com mandato de 28/3/19
61 a 27/3/1965, tomaram posse o jovem prefeito Domênico Antônio Ghinelli (Toninho Ghinelli) com 21 anos de idade, o vice, Joaquim dos Santos Camponês, e a seguinte câmara de vereadores:
- Antônio Pimentel Filho;
- Carlos Piubelli;
- Décio Zorzetto;
- Francisco Krall;
- Francisco Quintanilha;
- Humberto de Toledo Para;
- José Madrigal Ruda;

- José Soares Pereira;
- Manoel Nascimento Corrêa;
- Olimpio Mangilli;

- Valdomiro Wieck.

FOTO: O prefeito Toninho Ghinelli (à direita) com o governador do estado de São Paulo Ademar de Barros (à esquerda), e ao centro o vereador Valdomiro Vieck.

É um dever ressaltar a humildade e o municipalismo dos políti
cos da época, quando ex-prefeitos aceitavam normalmente ocupar cargos de vice-prefeito e vereador e sequer subsídio financeiro existia. Era tudo em prol da municipalidade. Não seria fácil a missão do jovem prefeito de Cabrália de administrar um município com poucos recursos e com elevado défice orçamentário. Existia ainda grave problema na documentação dos imóveis da cidade, fato que estava inibindo as construções em nosso perímetro urbano. Esse problema é conhecido como aforamento.

Na aurora do vilarejo do Mirante, seus fundadores, Antonio Consalter Longo e Manoel Francisco do Nascimento acabaram po
r doar toda a extensão geográfica compreendida hoje entre as ruas Antonio Moreno Garrido Sobrinho até a Rua 12 de Outubro (quase todo o perímetro urbano da época) ao bispado de Botucatu. Portanto, os terrenos que se encontravam dentro dessa área eram de propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana. A forma de controle que era administrada pelo padre responsável pela Paróquia do Senhor Bom Jesus era chamada “aforamento”.

Todo morador de uma
casa aforada tinha seu número de aforamento. Existia uma taxa simbólica de pagamento como garantia do morador ao direito de residir no imóvel. Em negócios de compra e venda, em vez de se lavrar escritura pública, transferia-se o direito do aforamento. Foi-me relatado que, na época, por existirem muitos terrenos vagos na cidade, esses terrenos eram doados pela Igreja ao munícipe que pretendesse construir sua residência e criar daí um novo número de aforamento.

FOTO: Todos os terrenos do centro da cidade eram da igreja. O aforamento era o regime em vigor.

Acompanhamos nos capítulos anteriores a luta de duas famílias até conseguirem comprar suas residências no município. Na verdade, analisando do ponto de vista jurídico, o que haviam comprado era o direito em residir no imóvel e não o imóvel em si. Apesar de não haver ocorrências em que a Igreja requeresse desocupação de imóvel de qualquer natureza, aqueles que buscavam solidez em um investimento evitavam fazê-lo no município, fato que vinha atrapalhando nosso desenvolvimento urbano.

O prefeito Toninho Guinelli, por coincidência, ou pela “mão do destino”, era neto materno do fundador do município, Antonio Consalter Longo, que havia doado parte dos terrenos ao bispado de Botucatu. Com o aval do padre da Paróquia do Senhor Bom Jesus, Sebastião de Oliveira Rocha, o prefeito decide então enviar documento ao bispado, a fim de buscar soluções para aquele grave problema do município. O re querimento cabraliense do bispado de Botucatu segue para o Vaticano, que, após análise, resolve vender os terrenos à municipalidade, para que lavrasse escritura pública aos que possuíam aforamento.

O município, que já se encontrava em défice orçamentário, viu-se obrigado a adquirir os terrenos, investindo assim os poucos recursos que existiam para solucionar o problema do aforamento. Os proprietários dos imóveis aforados, por sua vez, mesmo com valor simbólico, tiveram que comprá-los novamente da prefeitura para daí então receber a escritura. Dessa forma, Cabrália transporia mais esse difícil obstáculo em sua história, firmando-se cada vez mais como município no cenário paulista.
Nessa época, o governador do estado, Adhemar de Barros, dava sequência às obras da rodovia Bauru-Ipaussu (SP 225) e já começava a sua pavimentação.

O prefeito de Cabrália, juntamente com o presidente municipal do Partido Social Progressista (PSP), João Alves Barboza, requer ao Estado que proceda à abertura da estrada vicinal ligando Cabrália à rodovia. A resposta por parte do Estado foi positiva. O município, porém, teria que doar os terrenos ao DER para a abertura da vicinal.
O trajeto da vicinal passaria por propriedades privadas e o município não tinha condições financeiras para desapropriá-las.

O coração municipalista cabraliense falaria mais alto. Os proprietários decidem então doar os terrenos ao DER e, assim, foi aberta nossa estrada vicinal, que a partir daí mudaria nosso trajeto para Piratininga, Bauru e, principalmente, para a capital do estado, melhorando de maneira significativa a vida dos cabralienses. Aos doadores das terras fica o eterno agradecimento da população.

Entre eles, gostaria de ressaltar os saudosos Antonio Pereira e Anezio Cardoso Felício.
Por indicação do presidente do Diretório Municipal do PSP, o quadro de servidores públicos da Escola Técnica Agrícola de Cabrália Paulista ia sendo compondo, o que ajudou muito a diminuir o défice de empregos, que eram escassos no município naquela época. O presidente da república, Jânio Quadros, alegando pressão de forças terríveis (que chamariam de “ocultas”), renuncia ao mandato.

Acontece o golpe militar de 1964, extinguindo as eleições diretas para presidente e governador. Jânio e Adhemar vão para o exílio, pondo fim às divergências entre seus apoiadores. A turbulência de transição de regime governamental extinguiria qualquer esperança cabraliense na celebração de novos convênios naquela gestão.


Durante o período, nossos dois personagens que vínhamos acompanhando (o velho vendedor de doces e o feitor do Horto) deixam nossa história para morar com Deus.


A família de ambos receberia da prefeitura a escritura de suas casas através do fim do aforamento conquistado pelo prefeito Toninho Ghinelli, assim como aconteceu com todos os outros moradores que requereram a escritura do município.
Os descendentes de nossos personagens ocupam o foco da narrativa daqui por diante, em uma nova era que se iniciava. A recessão na economia era eminente.

O acúmulo de fatores externos e internos fazia com que a recessão se mostrasse a Cabrália cada vez com maior intensidade.
A convite de um tio, o segundo varão da família de comerciantes tenta sua sorte na vizinha cidade de Duartina, assim como tantos outros cabralienses já haviam feito. Quando seu novo negócio começava a se estabilizar, um incêndio repentino e devastador destrói em pouco tempo a casa em que sua família morava, bem como mobília e pertences em geral. Como que pela mão do destino, o retorno a Cabrália seria o caminho a ser trilhado. Logo após seu retorno, outra fatalidade em âmbito familiar ainda estava por vir. O irmão mais velho, que também era sanfoneiro e estava tentando administrar um namoro, a liberdade de um solteirão e as responsabilidades que o comércio exigia, em certa manhã na padaria se descuidaria e o tacho de óleo fervente é despejado em seu baixo-ventre. As conseqüências físicas em relação ao grau das queimaduras em seu corpo foram ocultadas por ele mesmo até o final de sua vida. Porém, teria uma conduta muito estranha depois do acontecimento. Mas nem só de tristezas vivia a aura da família.

Como tendência nas famílias de tradição italiana, as moças iam-se casando e seguindo novos rumos com os maridos. Três delas já haviam seguido esse caminho. Os homens tendiam a casar-se e dar continuidade aos negócios da família. Os dois irmãos mais jovens firmavam-se no namoro. No auge do vigor físico, defendiam aos domingos os times de futebol de Cabrália.


FOTO: O Flamenguinho era um dos times de Cabrália na época.

(da esquerda para direita)
em pé : NÉO GARBULIO, CLEI AMAURI, TITO GARBULIO, PIFANA, MOACIR, LUIZ ESPANHOL
agachados: ADAMIR, TITO ESPANHOL, TONINHO, ELIAS FILHO e MANÉ DO PACO

As dificuldades por que o comércio cabraliense ainda passaria certamente refletiriam diretamente sobre seus ombros. A família numerosa na arena do Mirante sem montanhas buscaria sua sobrevivência. Enfim, eram cabralienses e não desistiriam nunca.

sábado, 26 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 10

O pátio da estação ferroviária de Cabrália Paulista estava lotado de correligionários, simpatizantes e populares em geral à espera do trem que traria o então governador de São Paulo, Jânio Quadros, já em pré-campanha que o levaria até à presidência da república. Naquele dia, seriam entregues aos presentes os famosos broches de vassourinhas que eram seu lembrete de campanha. Os políticos locais estavam preocupados com o sumiço repentino do prefeito do município justamente na hora de o trem chegar. Quando aponta a locomotiva chegando à estação, junto com os vagões a surpresa: o prefeito de Cabrália estava no trem na mesma poltrona que Jânio ocupava. A população fazia a festa na distribuição dos brindes.

FOTO:O pátio da estação de Cabrália estava lotado. Zeca chega no trem na mesma poltrona que Jânio.

Encorajado com a forte aliança partidária com o governo do estado, o prefeito do município dá continuidade à sua sequência de obras. Na quadra abaixo da igreja matriz seguia a construção do jardim municipal. Os passeios centrais, assim como a arborização e os bancos, já estavam concluídos. O coreto e a fonte estavam em fase de acabamento. No início da administração, havia no local uma grande voçoroca que fora aterrada para o início das obras.


A praça, a partir daí, seria o marco da administração Zeca Pereira e um dos cartões postais do município. Naquela época, a rua da estação era a mais movimentada da cidade e ainda mais com a inauguração de um cinema nas proximidades (com recursos de origem privada), onde os filmes variados de aventura, romance e as comédias d
o Mazzaropi eram o programa quase que obrigatório da juventude da época.

FOTO: Vista aérea do jardim municipal em construção. Padre Sebastião de Oliveira Rocha abençoa a praça.



Com a construção da praça central, o trajeto entre a estação, o cinema e a praça passou a ser escolhido pela população, principalmente entre os namorados. Na área da saúde, a prefeitura consegue adquirir uma ambulância e constrói o prédio do posto de puericultura (onde hoje fica o destacamento policial) para atendimento infantil, especificamente.


A gestão do prefeito José Soares Pereira caminhava para seu final e as realizações do mandato eram visíveis. Construção do sistema de rede de esgoto, prédio da escola técnica agrícola, casa da agricultura, posto de puericultura, aquisição de ambulância e o novo cartão postal da cidade, o jardim municipal. Mas ainda para aquele mandato o prefeito tinha em mente um plano audacioso e perigoso. Iria tentar incorporar o então distrito de Paulistânia ao município de Cabrália, já que em sua origem as terras foram doadas pelo mesmo fundador e a distância do distrito era menor até Cabrália do que até Agudos ( sede do município a que pertencia Paulistânia).


Aproveitando o projeto municipal em andamento que levaria energia elétrica e telefonia ao bairro Floresta, sendo a distância entre o bairro Floresta e Paulistânia de aproximadamente quatro quilômetros, o prefeito resolve estender o projeto levando-o até Paulistânia, ultrapassando assim o limite de município. Foi-me relatado que na época existia em Paulistânia um grupo de proprietários rurais que tinham um forte vínculo de amizade com familiares do prefeito de Cabrália e liderariam o plano internamente dentro do distrito.

FOTO: O posto de puericultura (hoje destacamento policial): Atendimento infantil em específico.


O plano quase perfeito tinha por objetivo, através do benefício que fora dado à população de Paulistânia, conquistar a opinião pública do lugar e posteriormente, através de apoio do governo, propor plebiscito para que a população democraticamente escolhesse a qual município pertenceria o distrito (Agudos ou Cabrália Paulista).

Como para toda ação existe uma reação, por sua vez a reação contrária por parte do município de Agudos em defesa de seu distrito, com o apoio de Piratininga, que temia perder a comarca caso o plano de Cabrália tivesse êxito, foram mais fortes politicamente que o desejo cabraliense.

O governo estadual, percebendo o clima de impasse no caso, se absteve de medidas para a realização do suposto plebiscito que poderia culminar em violência. Cabrália ficou com o sonho e o prejuízo. Paulistânia e seu povo foram
beneficiados. Três décadas e meia depois, Paulistânia também conseguiria a tão sonhada emancipação política que Cabrália, na época, já havia conquistado.

Tenho certeza de que, dentro do coração dos dois povos, sempre pertenceremos uns aos outros, independentemente dos limites territoriais.


FOTO: O bairro Floresta se tornou a “sede” na tentativa cabraliense de incorporar Paulistânia à nosso município.



O terceiro mandato da história de Cabrália chegava ao seu final e, juntamente com os grandes avanços conquistados nos quatro anos do governo biônico, apareciam também as conseqüências de tudo aquilo que excede à normalidade. As despesas haviam ultrapassado, e muito, o valor da receita orçamentária. Fornecedores e servidores do município clamavam por soluções. O vice-prefeito e comerciante, Pedro Portaluppi (por sinal, um grande municipalista), que transformou mercadoria em crédito quando o município não o tinha, também estava preocupado.


O próximo prefeito que assumiria enfrentaria o duro desafio de administrar um município sem crédito e outro grave problema que era cada vez mais questionado com intensidade pelos moradores chamado de aforamento. Cabrália e seu povo venceriam mais esses obstáculos.
O golpe militar colocaria fim a todas as divergências partidárias.

O feitor do Horto Florestal que apareceu no capítulo anterior havia comprado uma casa na principal rua de Cabrália, na época. Estava em fase de adaptação ainda no novo endereço, já que havia mais de 20 anos residia no Horto. O imóvel então adquirido se confrontava aos fundos com o quintal do prédio da padaria do velho vendedor de doces, um dos nossos personagens em artigos anteriores. A vida dos vizinhos da padaria não estava fácil. “Em família numerosa sempre tem alguém que socorre, mas também sempre tem alguém com problema”. O velho pai da família, naturalmente pela ordem cronológica da vida, a cada dia parecia com menos condições de enfrentar a dura tarefa que o comércio exigia.

O alcoolismo, por sua vez, se mostrava a cada dia mais forte. Com sua cesta de pães e doces pelas ruas de nossa cidade tornava-se folclórico ao contar as pingas que bebia com a sequência numérica do jogo do bicho. Se estava no cachorro era sinal que já havia bebido cinco pingas. No jacaré, 15 pingas. À tarde, era normal o jogo chegar ao veado, vaca e em muitas vezes começar de novo no avestruz,...águia, etc. Nessa fase, o velho, que era também fumante, muitas vezes adormecia sentado e a chama do cigarro apagava entre seus dedos calejados sem que ele despertasse.

O filho mais velho, que por muitas vezes assumia a sanfona na ausência do pai, no “Bailão do Bauco”, na zona das meretrizes, agora era um dos esteios da casa e do negócio da família. Estava namorando uma moça, cuja família estava muito contente pelo fato de a energia elétrica ter chegado até a residência onde moravam, através do projeto desenvolvido pelo prefeito de Cabrália.

O moço, que vivia o auge do vigor físico, tentava administrar o desejo em consolidar a relação amorosa através do casamento, a liberdade de um solteirão e a importância de sua presença para a continuidade dos negócios da família. O primeiro irmão abaixo dele já havia se casado. Junto com a mãe da família era outro “leão” no trabalho, mas estava vivendo uma difícil fase em sua vida. Perdera uma filha com um ano e meio de idade e, havia poucos dias, a segunda filha, também com poucos dias de vida, falecera. “O comércio judia. Entre lágrimas, para sobreviver às vezes é preciso sorrir”.

A mãe de família, a fim de tentar minimizar a dor que abrangia toda a família, relatava que um dos irmãos seria gêmeo e um dia antes do parto, quando retirava água do poço da chácara, o sarilho do poço escapou de suas mãos e bateu em sua barriga, matando uma das crianças em seu ventre. A criança nasceria sem vida no outro dia. Seriam então os anjos de Deus. Em torno das 3h30 da manhã, o relógio despertador da padaria colocava a família em pé. Os mais velhos davam início ao trabalho e a “escadinha” da irmandade vinha logo atrás, cada um com sua tarefa.

Os mais jovens, em algumas tardes, pegavam algumas horas de folga e iam jogar bola, pescar ou nadar no banheirão (famoso poço do Rio Alambari, que ficava nas proximidades de onde hoje é a ponte da rodovia para Duartina).
O caçula arranjava um tempinho também para paquerar a filha do vizinho que acabara de mudar na casa, cujo quintal fazia fundos com a padaria.