quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 12

Era primavera do ano de 1964 e o povo cabraliense absolvia Zeca Pereira nas urnas, confiando-lhe o segundo mandato como prefeito do município. Ele venceu o candidato da situação, apoiado pelo prefeito Toninho Ghinelli: o vereador Valdomiro Vieck.

O vice de Zeca Pereira foi Antonio Moreno Garrido Sobrinho e também tomava posse a seguinte Câmara de vereadores na gestão que ia de 28/3/1965 a 27/3/1969:
- Antonio Geraldo Pereira;
- Antonio Pimentel Filho;
- Antonio Vaz de Lima;
- Benedito de Almeida Teixeira;
- Clovis Magalhães de Mattos Carvalho;
- Domênico Antonio Ghinelli;
- Francisco Krall;
- Joaquim dos Santos Camponês;
- José Madrigal Ruda;
- Nylton Poartaluppi;
- Olavo Vieck.

A forma de governo imposta pelo prefeito seria a mesma que havia marcado seu primeiro mandato: construir sempre através de uma verdadeira obsessão em prosperar Cabrália. Se não conseguisse crédito no município, buscava em outras cidades da região, mas jamais se submeteria à inércia.

Encontrando dificuldades de aquisição ou pela inviabilidade de frete, a prefeitura desapropria parte da Fazenda São Luis, de Luís Checheto, e monta uma olaria.
A produção da olaria era para suprir a demanda de construção de obras que o prefeito Zeca Pereira já tinha em mente. Transformava então novamente Cabrália em novo canteiro de obras. Dava início à construção da nova cadeia (delegacia) de Cabrália. O prefeito desenvolve também na época um projeto municipal de construções civis, pelo qual a prefeitura construía o imóvel residencial e depois facilitava a forma de pagamento aos munícipes interessados. Dessa forma, dezenas de residências foram construídas em Cabrália, o que ajudou a população, ao realizar o sonho da casa própria, e diminuiu de maneira significativa o número de terrenos vagos na cidade.

FOTO: A Prefeitura da início as obras do prédio da Delegacia.

A prefeitura consegue adquirir outra máquina motoniveladora e o prefeito do município então tem outra idéia. Os leitores certamente se lembram da velha máquina motoniveladora que foi adquirida no governo de Francisco Bueno dos Reis, aquela sem a cobertura para o motorista, que tanto serviu o município e já foi citada várias vezes em capítulos anteriores.

Zeca Pereira convida o vereador Antonio Vaz de Lima para acompanhá-lo a uma viagem até o palácio do governo de São Paulo. As viagens do prefeito Zeca Pereira até São Paulo sempre foram marcadas por passagens folclóricas, segundo vários testemunhos e desta vez não seria diferente. Foi-me relatado que a gasolina do veículo que os conduzia acabou por várias vezes no caminho. Chegando à capital, pernoitaram no interior do veículo até conseguirem audiência. Conseguem então uma permuta com o Estado na velha motoniveladora com a pavimentação da Rua Mário Amaral Gurgel até na esquina da escola Senador Rodolfo Miranda e da Rua Francisco Bueno dos Reis entre a estação ferroviária até o Jardim Municipal.

FOTO: A primeira pavimentação em cabrália Paulista "desenhou" a letra "T" nas ruas Mario Amaral Gurgel e Francisco Bueno dos Reis

Também foi nessa gestão que foi construído o Mirante Club, que passou a ser o novo cartão postal do município e outro marco da administração de Zeca Pereira. A falta de lazer no município sempre foi motivo de reclamações, principalmente por parte da juventude. O Mirante Club passou a ser ponto de referência para os eventos festivos, entre eles os bailes de carnaval, que, naquela época, eram realizados geralmente em espaços internos. Os carnavais de Cabrália foram famosos e atraíram grande contingente de outras localidades.

Mas afinal, caros leitores, qual o significado da palavra mirante? Mirante, no sentido denotativo da palavra, quer dizer ponto elevado donde se descortina largo horizonte. Quando o município conseguiu sua emancipação político-administrativa, houve a divisão territorial entre os municípios e a cadeia montanhosa, ou seja, o mirante propriamente dito, que deu origem à denominação do vilarejo que no futuro tornou-se Cabrália Paulista, ficou pertencendo ao município vizinho de Piratininga (que outrora fora sede de Cabrália). O próprio título desta coluna (“O Mirante sem Montanhas”) demonstra claramente a situação.

FOTO: Os carnavais de Cabrália eram famosos na região

O segundo mandato de Zeca Pereira caminhava para seu crepúsculo e, novamente devido às obras realizadas, grandes dificuldades apareceram para dar equilíbrio ao orçamento, sendo as despesas fáceis de ultrapassar a precária receita do município, cuja recessão batia novos recordes.

Iríamos agora vivenciar um episódio curioso e inédito em nossa história. Aproximavam-se as eleições municipais e, devido talvez à crise financeira que o município atravessava, somada à grande recessão já mencionada (fato que culminava com uma baixíssima receita no orçamento), fazia com que ninguém se apresentasse como candidato a prefeito. Nem a oposição nem a situação apresentavam chapa para a disputa majoritária...ninguém queria ser prefeito de Cabrália.

Lutando para conseguir a sobrevivência no município, nossos personagens iam trilhando o rumo da história. O caçula da família de comerciantes casa-se com a filha do vizinho dos fundos, que já havia falecido. Sua sogra vende a casa ao vereador Antonio Vaz de Lima e a nova família vai morar na Rua Mário Amaral Gurgel. O irmão acima dele também se casa com a filha mais velha da família Sacoman e vai morar na antiga casa em que toda a família morava antes de comprarem a padaria, na Rua Fancisco Bueno dos Reis. O outro irmão, que havia tempos era casado e por muitas dificuldades na vida já tinha passado, muda-se para uma residência que ainda pertencia à Igreja, na esquina das ruas 7 de Setembro e 6 de Agosto. O mais velho dos irmãos da casa, o que ficara solteirão, tem seu quadro psicológico agravado. Torna-se depressivo e o caso evolui à psiquiatria. Para então de trabalhar, de tomar banho, de fazer a barba, de cortar as unhas, de trocar de roupas, começa a perambular pelas ruas e estradas da região e a fazer experiências malucas de alimentação à base de capim e ervas.
Um dos esteios da casa de repente se transforma em malvestido andarilho pelo mundo.

Para os leitores terem noção do quadro de recessão que tomava conta da cidade naquela época, a padaria (que era a única existente no município), na época, chegou a fazer meio saco de farinha de trigo por dia para sua demanda. Geralmente, contudo, em todas as tardes ainda sobrava pão para o cachorro Brucutu, o mascote da família.

Voltando ao irmão mais velho, oficialmente morava com sua mãe na casa dos fundos da padaria, junto com as irmãs, que ainda eram solteiras, mas era visto em quase todos os lugares da região e raramente em sua casa. No filme “Fuga de Alcatraz”, em certo momento chega ao presídio um novo detento que tinha em sua ficha de identificação uma importante observação que passa despercebida ao diretor do presídio: QI altamente elevado. Acredito ter feito falta essa informação aos hospitais psiquiátricos frequentados por nosso personagem, ou às pessoas normais que cruzaram seu caminho pelo mundo afora. Mestre no jogo de sinuca, quando chegava a algum bar da região, pedia para dar “uma tacada”, sendo geralmente hostilizado. Mas às vezes encontrava alguém que lhe concedia o taco. Acabava o jogo!

Muita gente começava a se reunir em volta da mesa. Quando observava que alguém começava a apostar em seu jogo, parava. Pegava seu saco cheio de bugigangas e ia embora. Para onde? Para outra estrada da região até algum conhecido avistá-lo e avisar sua família em Cabrália, que ia buscá-lo. Nos hospitais psiquiátricos onde ficou, os internamentos terminavam quando “abria a boca” para falar com alguém da chefia. Chegou até a ajudar na contabilidade de alguns. A alta do hospital era inevitável. Faleceria na próxima década, um ano antes que sua mãe, vivendo da forma que optou até seu último dia de vida.

A necessidade urgente de novos horizontes financeiros fizeram com que os irmãos alugassem o prédio de um tio paterno, prédio este que outrora fora a prefeitura e estava desativado, a fim de se aventurarem no ramo de secos e molhados, aproveitando que os proprietários que já estavam nessa atividade na cidade há muito tempo mostravam claramente o desejo de encerrá-las.


FOTO: Começavam a aparecer novos sanfoneiros na família.
Era preciso buscar novos horizontes.

O único candidato à cadeira maior do município que apareceria seria iluminado. Iria conquistar para Cabrália o que ela realmente mais precisava. Iria, porém, perder a própria vida por sua decisão.

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