terça-feira, 29 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 11

A última eleição direta para governador e presidente da república antes do golpe militar de 1964 camuflou as divergências partidárias existentes em Cabrália Paulista. Janistas satisfeitos com a presidência da república e ademaristas com o governo do estado, todos pareciam ter encontrado uma solução pacífica para seus desafetos.
A população do município, dividida entre as grandes realizações do governo anterior e o défice orçamentário, com que o município se encontrava, havia elegido na época o prefeito mais jovem do Brasil, do Partido Social Progressista (PSP), que era oposição ao partido de Jânio Quadros e Zeca Pereira, que foi representado por Benedito de Almeida Teixeira na disputa.
Com mandato de 28/3/19
61 a 27/3/1965, tomaram posse o jovem prefeito Domênico Antônio Ghinelli (Toninho Ghinelli) com 21 anos de idade, o vice, Joaquim dos Santos Camponês, e a seguinte câmara de vereadores:
- Antônio Pimentel Filho;
- Carlos Piubelli;
- Décio Zorzetto;
- Francisco Krall;
- Francisco Quintanilha;
- Humberto de Toledo Para;
- José Madrigal Ruda;

- José Soares Pereira;
- Manoel Nascimento Corrêa;
- Olimpio Mangilli;

- Valdomiro Wieck.

FOTO: O prefeito Toninho Ghinelli (à direita) com o governador do estado de São Paulo Ademar de Barros (à esquerda), e ao centro o vereador Valdomiro Vieck.

É um dever ressaltar a humildade e o municipalismo dos políti
cos da época, quando ex-prefeitos aceitavam normalmente ocupar cargos de vice-prefeito e vereador e sequer subsídio financeiro existia. Era tudo em prol da municipalidade. Não seria fácil a missão do jovem prefeito de Cabrália de administrar um município com poucos recursos e com elevado défice orçamentário. Existia ainda grave problema na documentação dos imóveis da cidade, fato que estava inibindo as construções em nosso perímetro urbano. Esse problema é conhecido como aforamento.

Na aurora do vilarejo do Mirante, seus fundadores, Antonio Consalter Longo e Manoel Francisco do Nascimento acabaram po
r doar toda a extensão geográfica compreendida hoje entre as ruas Antonio Moreno Garrido Sobrinho até a Rua 12 de Outubro (quase todo o perímetro urbano da época) ao bispado de Botucatu. Portanto, os terrenos que se encontravam dentro dessa área eram de propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana. A forma de controle que era administrada pelo padre responsável pela Paróquia do Senhor Bom Jesus era chamada “aforamento”.

Todo morador de uma
casa aforada tinha seu número de aforamento. Existia uma taxa simbólica de pagamento como garantia do morador ao direito de residir no imóvel. Em negócios de compra e venda, em vez de se lavrar escritura pública, transferia-se o direito do aforamento. Foi-me relatado que, na época, por existirem muitos terrenos vagos na cidade, esses terrenos eram doados pela Igreja ao munícipe que pretendesse construir sua residência e criar daí um novo número de aforamento.

FOTO: Todos os terrenos do centro da cidade eram da igreja. O aforamento era o regime em vigor.

Acompanhamos nos capítulos anteriores a luta de duas famílias até conseguirem comprar suas residências no município. Na verdade, analisando do ponto de vista jurídico, o que haviam comprado era o direito em residir no imóvel e não o imóvel em si. Apesar de não haver ocorrências em que a Igreja requeresse desocupação de imóvel de qualquer natureza, aqueles que buscavam solidez em um investimento evitavam fazê-lo no município, fato que vinha atrapalhando nosso desenvolvimento urbano.

O prefeito Toninho Guinelli, por coincidência, ou pela “mão do destino”, era neto materno do fundador do município, Antonio Consalter Longo, que havia doado parte dos terrenos ao bispado de Botucatu. Com o aval do padre da Paróquia do Senhor Bom Jesus, Sebastião de Oliveira Rocha, o prefeito decide então enviar documento ao bispado, a fim de buscar soluções para aquele grave problema do município. O re querimento cabraliense do bispado de Botucatu segue para o Vaticano, que, após análise, resolve vender os terrenos à municipalidade, para que lavrasse escritura pública aos que possuíam aforamento.

O município, que já se encontrava em défice orçamentário, viu-se obrigado a adquirir os terrenos, investindo assim os poucos recursos que existiam para solucionar o problema do aforamento. Os proprietários dos imóveis aforados, por sua vez, mesmo com valor simbólico, tiveram que comprá-los novamente da prefeitura para daí então receber a escritura. Dessa forma, Cabrália transporia mais esse difícil obstáculo em sua história, firmando-se cada vez mais como município no cenário paulista.
Nessa época, o governador do estado, Adhemar de Barros, dava sequência às obras da rodovia Bauru-Ipaussu (SP 225) e já começava a sua pavimentação.

O prefeito de Cabrália, juntamente com o presidente municipal do Partido Social Progressista (PSP), João Alves Barboza, requer ao Estado que proceda à abertura da estrada vicinal ligando Cabrália à rodovia. A resposta por parte do Estado foi positiva. O município, porém, teria que doar os terrenos ao DER para a abertura da vicinal.
O trajeto da vicinal passaria por propriedades privadas e o município não tinha condições financeiras para desapropriá-las.

O coração municipalista cabraliense falaria mais alto. Os proprietários decidem então doar os terrenos ao DER e, assim, foi aberta nossa estrada vicinal, que a partir daí mudaria nosso trajeto para Piratininga, Bauru e, principalmente, para a capital do estado, melhorando de maneira significativa a vida dos cabralienses. Aos doadores das terras fica o eterno agradecimento da população.

Entre eles, gostaria de ressaltar os saudosos Antonio Pereira e Anezio Cardoso Felício.
Por indicação do presidente do Diretório Municipal do PSP, o quadro de servidores públicos da Escola Técnica Agrícola de Cabrália Paulista ia sendo compondo, o que ajudou muito a diminuir o défice de empregos, que eram escassos no município naquela época. O presidente da república, Jânio Quadros, alegando pressão de forças terríveis (que chamariam de “ocultas”), renuncia ao mandato.

Acontece o golpe militar de 1964, extinguindo as eleições diretas para presidente e governador. Jânio e Adhemar vão para o exílio, pondo fim às divergências entre seus apoiadores. A turbulência de transição de regime governamental extinguiria qualquer esperança cabraliense na celebração de novos convênios naquela gestão.


Durante o período, nossos dois personagens que vínhamos acompanhando (o velho vendedor de doces e o feitor do Horto) deixam nossa história para morar com Deus.


A família de ambos receberia da prefeitura a escritura de suas casas através do fim do aforamento conquistado pelo prefeito Toninho Ghinelli, assim como aconteceu com todos os outros moradores que requereram a escritura do município.
Os descendentes de nossos personagens ocupam o foco da narrativa daqui por diante, em uma nova era que se iniciava. A recessão na economia era eminente.

O acúmulo de fatores externos e internos fazia com que a recessão se mostrasse a Cabrália cada vez com maior intensidade.
A convite de um tio, o segundo varão da família de comerciantes tenta sua sorte na vizinha cidade de Duartina, assim como tantos outros cabralienses já haviam feito. Quando seu novo negócio começava a se estabilizar, um incêndio repentino e devastador destrói em pouco tempo a casa em que sua família morava, bem como mobília e pertences em geral. Como que pela mão do destino, o retorno a Cabrália seria o caminho a ser trilhado. Logo após seu retorno, outra fatalidade em âmbito familiar ainda estava por vir. O irmão mais velho, que também era sanfoneiro e estava tentando administrar um namoro, a liberdade de um solteirão e as responsabilidades que o comércio exigia, em certa manhã na padaria se descuidaria e o tacho de óleo fervente é despejado em seu baixo-ventre. As conseqüências físicas em relação ao grau das queimaduras em seu corpo foram ocultadas por ele mesmo até o final de sua vida. Porém, teria uma conduta muito estranha depois do acontecimento. Mas nem só de tristezas vivia a aura da família.

Como tendência nas famílias de tradição italiana, as moças iam-se casando e seguindo novos rumos com os maridos. Três delas já haviam seguido esse caminho. Os homens tendiam a casar-se e dar continuidade aos negócios da família. Os dois irmãos mais jovens firmavam-se no namoro. No auge do vigor físico, defendiam aos domingos os times de futebol de Cabrália.


FOTO: O Flamenguinho era um dos times de Cabrália na época.

(da esquerda para direita)
em pé : NÉO GARBULIO, CLEI AMAURI, TITO GARBULIO, PIFANA, MOACIR, LUIZ ESPANHOL
agachados: ADAMIR, TITO ESPANHOL, TONINHO, ELIAS FILHO e MANÉ DO PACO

As dificuldades por que o comércio cabraliense ainda passaria certamente refletiriam diretamente sobre seus ombros. A família numerosa na arena do Mirante sem montanhas buscaria sua sobrevivência. Enfim, eram cabralienses e não desistiriam nunca.

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