terça-feira, 29 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 11

A última eleição direta para governador e presidente da república antes do golpe militar de 1964 camuflou as divergências partidárias existentes em Cabrália Paulista. Janistas satisfeitos com a presidência da república e ademaristas com o governo do estado, todos pareciam ter encontrado uma solução pacífica para seus desafetos.
A população do município, dividida entre as grandes realizações do governo anterior e o défice orçamentário, com que o município se encontrava, havia elegido na época o prefeito mais jovem do Brasil, do Partido Social Progressista (PSP), que era oposição ao partido de Jânio Quadros e Zeca Pereira, que foi representado por Benedito de Almeida Teixeira na disputa.
Com mandato de 28/3/19
61 a 27/3/1965, tomaram posse o jovem prefeito Domênico Antônio Ghinelli (Toninho Ghinelli) com 21 anos de idade, o vice, Joaquim dos Santos Camponês, e a seguinte câmara de vereadores:
- Antônio Pimentel Filho;
- Carlos Piubelli;
- Décio Zorzetto;
- Francisco Krall;
- Francisco Quintanilha;
- Humberto de Toledo Para;
- José Madrigal Ruda;

- José Soares Pereira;
- Manoel Nascimento Corrêa;
- Olimpio Mangilli;

- Valdomiro Wieck.

FOTO: O prefeito Toninho Ghinelli (à direita) com o governador do estado de São Paulo Ademar de Barros (à esquerda), e ao centro o vereador Valdomiro Vieck.

É um dever ressaltar a humildade e o municipalismo dos políti
cos da época, quando ex-prefeitos aceitavam normalmente ocupar cargos de vice-prefeito e vereador e sequer subsídio financeiro existia. Era tudo em prol da municipalidade. Não seria fácil a missão do jovem prefeito de Cabrália de administrar um município com poucos recursos e com elevado défice orçamentário. Existia ainda grave problema na documentação dos imóveis da cidade, fato que estava inibindo as construções em nosso perímetro urbano. Esse problema é conhecido como aforamento.

Na aurora do vilarejo do Mirante, seus fundadores, Antonio Consalter Longo e Manoel Francisco do Nascimento acabaram po
r doar toda a extensão geográfica compreendida hoje entre as ruas Antonio Moreno Garrido Sobrinho até a Rua 12 de Outubro (quase todo o perímetro urbano da época) ao bispado de Botucatu. Portanto, os terrenos que se encontravam dentro dessa área eram de propriedade da Igreja Católica Apostólica Romana. A forma de controle que era administrada pelo padre responsável pela Paróquia do Senhor Bom Jesus era chamada “aforamento”.

Todo morador de uma
casa aforada tinha seu número de aforamento. Existia uma taxa simbólica de pagamento como garantia do morador ao direito de residir no imóvel. Em negócios de compra e venda, em vez de se lavrar escritura pública, transferia-se o direito do aforamento. Foi-me relatado que, na época, por existirem muitos terrenos vagos na cidade, esses terrenos eram doados pela Igreja ao munícipe que pretendesse construir sua residência e criar daí um novo número de aforamento.

FOTO: Todos os terrenos do centro da cidade eram da igreja. O aforamento era o regime em vigor.

Acompanhamos nos capítulos anteriores a luta de duas famílias até conseguirem comprar suas residências no município. Na verdade, analisando do ponto de vista jurídico, o que haviam comprado era o direito em residir no imóvel e não o imóvel em si. Apesar de não haver ocorrências em que a Igreja requeresse desocupação de imóvel de qualquer natureza, aqueles que buscavam solidez em um investimento evitavam fazê-lo no município, fato que vinha atrapalhando nosso desenvolvimento urbano.

O prefeito Toninho Guinelli, por coincidência, ou pela “mão do destino”, era neto materno do fundador do município, Antonio Consalter Longo, que havia doado parte dos terrenos ao bispado de Botucatu. Com o aval do padre da Paróquia do Senhor Bom Jesus, Sebastião de Oliveira Rocha, o prefeito decide então enviar documento ao bispado, a fim de buscar soluções para aquele grave problema do município. O re querimento cabraliense do bispado de Botucatu segue para o Vaticano, que, após análise, resolve vender os terrenos à municipalidade, para que lavrasse escritura pública aos que possuíam aforamento.

O município, que já se encontrava em défice orçamentário, viu-se obrigado a adquirir os terrenos, investindo assim os poucos recursos que existiam para solucionar o problema do aforamento. Os proprietários dos imóveis aforados, por sua vez, mesmo com valor simbólico, tiveram que comprá-los novamente da prefeitura para daí então receber a escritura. Dessa forma, Cabrália transporia mais esse difícil obstáculo em sua história, firmando-se cada vez mais como município no cenário paulista.
Nessa época, o governador do estado, Adhemar de Barros, dava sequência às obras da rodovia Bauru-Ipaussu (SP 225) e já começava a sua pavimentação.

O prefeito de Cabrália, juntamente com o presidente municipal do Partido Social Progressista (PSP), João Alves Barboza, requer ao Estado que proceda à abertura da estrada vicinal ligando Cabrália à rodovia. A resposta por parte do Estado foi positiva. O município, porém, teria que doar os terrenos ao DER para a abertura da vicinal.
O trajeto da vicinal passaria por propriedades privadas e o município não tinha condições financeiras para desapropriá-las.

O coração municipalista cabraliense falaria mais alto. Os proprietários decidem então doar os terrenos ao DER e, assim, foi aberta nossa estrada vicinal, que a partir daí mudaria nosso trajeto para Piratininga, Bauru e, principalmente, para a capital do estado, melhorando de maneira significativa a vida dos cabralienses. Aos doadores das terras fica o eterno agradecimento da população.

Entre eles, gostaria de ressaltar os saudosos Antonio Pereira e Anezio Cardoso Felício.
Por indicação do presidente do Diretório Municipal do PSP, o quadro de servidores públicos da Escola Técnica Agrícola de Cabrália Paulista ia sendo compondo, o que ajudou muito a diminuir o défice de empregos, que eram escassos no município naquela época. O presidente da república, Jânio Quadros, alegando pressão de forças terríveis (que chamariam de “ocultas”), renuncia ao mandato.

Acontece o golpe militar de 1964, extinguindo as eleições diretas para presidente e governador. Jânio e Adhemar vão para o exílio, pondo fim às divergências entre seus apoiadores. A turbulência de transição de regime governamental extinguiria qualquer esperança cabraliense na celebração de novos convênios naquela gestão.


Durante o período, nossos dois personagens que vínhamos acompanhando (o velho vendedor de doces e o feitor do Horto) deixam nossa história para morar com Deus.


A família de ambos receberia da prefeitura a escritura de suas casas através do fim do aforamento conquistado pelo prefeito Toninho Ghinelli, assim como aconteceu com todos os outros moradores que requereram a escritura do município.
Os descendentes de nossos personagens ocupam o foco da narrativa daqui por diante, em uma nova era que se iniciava. A recessão na economia era eminente.

O acúmulo de fatores externos e internos fazia com que a recessão se mostrasse a Cabrália cada vez com maior intensidade.
A convite de um tio, o segundo varão da família de comerciantes tenta sua sorte na vizinha cidade de Duartina, assim como tantos outros cabralienses já haviam feito. Quando seu novo negócio começava a se estabilizar, um incêndio repentino e devastador destrói em pouco tempo a casa em que sua família morava, bem como mobília e pertences em geral. Como que pela mão do destino, o retorno a Cabrália seria o caminho a ser trilhado. Logo após seu retorno, outra fatalidade em âmbito familiar ainda estava por vir. O irmão mais velho, que também era sanfoneiro e estava tentando administrar um namoro, a liberdade de um solteirão e as responsabilidades que o comércio exigia, em certa manhã na padaria se descuidaria e o tacho de óleo fervente é despejado em seu baixo-ventre. As conseqüências físicas em relação ao grau das queimaduras em seu corpo foram ocultadas por ele mesmo até o final de sua vida. Porém, teria uma conduta muito estranha depois do acontecimento. Mas nem só de tristezas vivia a aura da família.

Como tendência nas famílias de tradição italiana, as moças iam-se casando e seguindo novos rumos com os maridos. Três delas já haviam seguido esse caminho. Os homens tendiam a casar-se e dar continuidade aos negócios da família. Os dois irmãos mais jovens firmavam-se no namoro. No auge do vigor físico, defendiam aos domingos os times de futebol de Cabrália.


FOTO: O Flamenguinho era um dos times de Cabrália na época.

(da esquerda para direita)
em pé : NÉO GARBULIO, CLEI AMAURI, TITO GARBULIO, PIFANA, MOACIR, LUIZ ESPANHOL
agachados: ADAMIR, TITO ESPANHOL, TONINHO, ELIAS FILHO e MANÉ DO PACO

As dificuldades por que o comércio cabraliense ainda passaria certamente refletiriam diretamente sobre seus ombros. A família numerosa na arena do Mirante sem montanhas buscaria sua sobrevivência. Enfim, eram cabralienses e não desistiriam nunca.

sábado, 26 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 10

O pátio da estação ferroviária de Cabrália Paulista estava lotado de correligionários, simpatizantes e populares em geral à espera do trem que traria o então governador de São Paulo, Jânio Quadros, já em pré-campanha que o levaria até à presidência da república. Naquele dia, seriam entregues aos presentes os famosos broches de vassourinhas que eram seu lembrete de campanha. Os políticos locais estavam preocupados com o sumiço repentino do prefeito do município justamente na hora de o trem chegar. Quando aponta a locomotiva chegando à estação, junto com os vagões a surpresa: o prefeito de Cabrália estava no trem na mesma poltrona que Jânio ocupava. A população fazia a festa na distribuição dos brindes.

FOTO:O pátio da estação de Cabrália estava lotado. Zeca chega no trem na mesma poltrona que Jânio.

Encorajado com a forte aliança partidária com o governo do estado, o prefeito do município dá continuidade à sua sequência de obras. Na quadra abaixo da igreja matriz seguia a construção do jardim municipal. Os passeios centrais, assim como a arborização e os bancos, já estavam concluídos. O coreto e a fonte estavam em fase de acabamento. No início da administração, havia no local uma grande voçoroca que fora aterrada para o início das obras.


A praça, a partir daí, seria o marco da administração Zeca Pereira e um dos cartões postais do município. Naquela época, a rua da estação era a mais movimentada da cidade e ainda mais com a inauguração de um cinema nas proximidades (com recursos de origem privada), onde os filmes variados de aventura, romance e as comédias d
o Mazzaropi eram o programa quase que obrigatório da juventude da época.

FOTO: Vista aérea do jardim municipal em construção. Padre Sebastião de Oliveira Rocha abençoa a praça.



Com a construção da praça central, o trajeto entre a estação, o cinema e a praça passou a ser escolhido pela população, principalmente entre os namorados. Na área da saúde, a prefeitura consegue adquirir uma ambulância e constrói o prédio do posto de puericultura (onde hoje fica o destacamento policial) para atendimento infantil, especificamente.


A gestão do prefeito José Soares Pereira caminhava para seu final e as realizações do mandato eram visíveis. Construção do sistema de rede de esgoto, prédio da escola técnica agrícola, casa da agricultura, posto de puericultura, aquisição de ambulância e o novo cartão postal da cidade, o jardim municipal. Mas ainda para aquele mandato o prefeito tinha em mente um plano audacioso e perigoso. Iria tentar incorporar o então distrito de Paulistânia ao município de Cabrália, já que em sua origem as terras foram doadas pelo mesmo fundador e a distância do distrito era menor até Cabrália do que até Agudos ( sede do município a que pertencia Paulistânia).


Aproveitando o projeto municipal em andamento que levaria energia elétrica e telefonia ao bairro Floresta, sendo a distância entre o bairro Floresta e Paulistânia de aproximadamente quatro quilômetros, o prefeito resolve estender o projeto levando-o até Paulistânia, ultrapassando assim o limite de município. Foi-me relatado que na época existia em Paulistânia um grupo de proprietários rurais que tinham um forte vínculo de amizade com familiares do prefeito de Cabrália e liderariam o plano internamente dentro do distrito.

FOTO: O posto de puericultura (hoje destacamento policial): Atendimento infantil em específico.


O plano quase perfeito tinha por objetivo, através do benefício que fora dado à população de Paulistânia, conquistar a opinião pública do lugar e posteriormente, através de apoio do governo, propor plebiscito para que a população democraticamente escolhesse a qual município pertenceria o distrito (Agudos ou Cabrália Paulista).

Como para toda ação existe uma reação, por sua vez a reação contrária por parte do município de Agudos em defesa de seu distrito, com o apoio de Piratininga, que temia perder a comarca caso o plano de Cabrália tivesse êxito, foram mais fortes politicamente que o desejo cabraliense.

O governo estadual, percebendo o clima de impasse no caso, se absteve de medidas para a realização do suposto plebiscito que poderia culminar em violência. Cabrália ficou com o sonho e o prejuízo. Paulistânia e seu povo foram
beneficiados. Três décadas e meia depois, Paulistânia também conseguiria a tão sonhada emancipação política que Cabrália, na época, já havia conquistado.

Tenho certeza de que, dentro do coração dos dois povos, sempre pertenceremos uns aos outros, independentemente dos limites territoriais.


FOTO: O bairro Floresta se tornou a “sede” na tentativa cabraliense de incorporar Paulistânia à nosso município.



O terceiro mandato da história de Cabrália chegava ao seu final e, juntamente com os grandes avanços conquistados nos quatro anos do governo biônico, apareciam também as conseqüências de tudo aquilo que excede à normalidade. As despesas haviam ultrapassado, e muito, o valor da receita orçamentária. Fornecedores e servidores do município clamavam por soluções. O vice-prefeito e comerciante, Pedro Portaluppi (por sinal, um grande municipalista), que transformou mercadoria em crédito quando o município não o tinha, também estava preocupado.


O próximo prefeito que assumiria enfrentaria o duro desafio de administrar um município sem crédito e outro grave problema que era cada vez mais questionado com intensidade pelos moradores chamado de aforamento. Cabrália e seu povo venceriam mais esses obstáculos.
O golpe militar colocaria fim a todas as divergências partidárias.

O feitor do Horto Florestal que apareceu no capítulo anterior havia comprado uma casa na principal rua de Cabrália, na época. Estava em fase de adaptação ainda no novo endereço, já que havia mais de 20 anos residia no Horto. O imóvel então adquirido se confrontava aos fundos com o quintal do prédio da padaria do velho vendedor de doces, um dos nossos personagens em artigos anteriores. A vida dos vizinhos da padaria não estava fácil. “Em família numerosa sempre tem alguém que socorre, mas também sempre tem alguém com problema”. O velho pai da família, naturalmente pela ordem cronológica da vida, a cada dia parecia com menos condições de enfrentar a dura tarefa que o comércio exigia.

O alcoolismo, por sua vez, se mostrava a cada dia mais forte. Com sua cesta de pães e doces pelas ruas de nossa cidade tornava-se folclórico ao contar as pingas que bebia com a sequência numérica do jogo do bicho. Se estava no cachorro era sinal que já havia bebido cinco pingas. No jacaré, 15 pingas. À tarde, era normal o jogo chegar ao veado, vaca e em muitas vezes começar de novo no avestruz,...águia, etc. Nessa fase, o velho, que era também fumante, muitas vezes adormecia sentado e a chama do cigarro apagava entre seus dedos calejados sem que ele despertasse.

O filho mais velho, que por muitas vezes assumia a sanfona na ausência do pai, no “Bailão do Bauco”, na zona das meretrizes, agora era um dos esteios da casa e do negócio da família. Estava namorando uma moça, cuja família estava muito contente pelo fato de a energia elétrica ter chegado até a residência onde moravam, através do projeto desenvolvido pelo prefeito de Cabrália.

O moço, que vivia o auge do vigor físico, tentava administrar o desejo em consolidar a relação amorosa através do casamento, a liberdade de um solteirão e a importância de sua presença para a continuidade dos negócios da família. O primeiro irmão abaixo dele já havia se casado. Junto com a mãe da família era outro “leão” no trabalho, mas estava vivendo uma difícil fase em sua vida. Perdera uma filha com um ano e meio de idade e, havia poucos dias, a segunda filha, também com poucos dias de vida, falecera. “O comércio judia. Entre lágrimas, para sobreviver às vezes é preciso sorrir”.

A mãe de família, a fim de tentar minimizar a dor que abrangia toda a família, relatava que um dos irmãos seria gêmeo e um dia antes do parto, quando retirava água do poço da chácara, o sarilho do poço escapou de suas mãos e bateu em sua barriga, matando uma das crianças em seu ventre. A criança nasceria sem vida no outro dia. Seriam então os anjos de Deus. Em torno das 3h30 da manhã, o relógio despertador da padaria colocava a família em pé. Os mais velhos davam início ao trabalho e a “escadinha” da irmandade vinha logo atrás, cada um com sua tarefa.

Os mais jovens, em algumas tardes, pegavam algumas horas de folga e iam jogar bola, pescar ou nadar no banheirão (famoso poço do Rio Alambari, que ficava nas proximidades de onde hoje é a ponte da rodovia para Duartina).
O caçula arranjava um tempinho também para paquerar a filha do vizinho que acabara de mudar na casa, cujo quintal fazia fundos com a padaria.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 9

Aproximava-se a terceira eleição municipal de Cabrália Paulista e, apesar dos grandes avanços conquistados nas duas primeiras gestões, ainda faltava muito para Cabrália oferecer a seus moradores a qualidade de vida que muitos dos municípios vizinhos já haviam conquistado. Aqueles que conseguiram a emancipação política em datas anteriores largaram na frente e podiam oferecer mais oportunidades aos seus habitantes.

Cabrália já havia progredido bastante: tinha luz elétrica, água encanada, melhor escola para as crianças; a máquina motoniveladora ajudava muito no controle das voçorocas, tanto nas ruas como nas estradas rurais. Mas ainda era muito pouco e muitas famílias que aqui chegaram no auge do algodão e da colonização, que sonhavam com as terras férteis e paraíso das perobas-rosas, agora já se deparavam com outra realidade: o novo município com poucos recursos e com nova fama de “terra de gabiroba e calangos verdes”. Não resistindo, começaram procurar seus sonhos em outras cidades da região.

A vizinha cidade de Duartina foi o lugar que mais acolheu esse contingente populacional. Grande parte das famílias de Duartina e até mesmo seus ancestrais moraram em Cabrália primeiro. Talvez por isso sejam municípios tão ligados afetivamente.

No município,porém, existiam também famílias que pensavam de outra forma. Por amor ao município que tinham como “pátria” ou pelas necessidades que aqui adquiriram, felizes ou infelizes, seria nesta terra que terminariam seus dias. Em muitas estradas da vida encontram-se, às vezes, dimensões pelas quais é impossível voltar atrás. O preço do retorno seria a conclusão de um fracasso. Acredito ter sido com esse pensamento que se compôs o quadro político de Cabrália Paulista em seu terceiro mandato, de 27 de março de 1957 a 27 de março de 1961.

Foi eleito como prefeito do município o jovem José Soares Pereira, que estava prestes a se formar em direito. Era filho mais velho de Antonio Pereira, o maior empresário do município e um dos maiores da região no setor agropecuário. O vice-prefeito eleito foi Pedro Portaluppi, o maior comerciante do município (com atividades estabelecidas por muitos anos no prédio onde hoje é o Supermercado São José, antigo Praiano).

FOTO: O Prefeito Zeca Pereira, ao lado de seu vice Pedro Portaluppi e vereadores durante missa na igreja matriz.

Já a Câmara de Vereadores foi composta da seguinte maneira:
- Alfredo Mendes Rosa;
- Antonio Vaz de Lima;
- Antonio Moreno Garrido Sobrinho;
- Astor de Mattos Carvalho;
-Humberto de Toledo Pappa;
- Benedito de Almeida Teixeira;
- Joaquim dos Santos Camponês;
- José Madrigal Ruda;
- Matheus Riga de Oliveira;
- Olimpio Mangilli;
- Teodoro Faria da Costa;

O prefeito Zeca Pereira toma posse e o prédio da prefeitura logo passa a ser em outro local, agora na esquina a um quarteirão acima do endereço antigo, entre as ruas Mário Amaral Gurgel e 6 de Agosto (onde permaneceu até a década de 80). A Câmara Municipal logo mais também mudaria de endereço. Foi para onde hoje é a Rua Antonio Moreno Garrido Sobrinho (local onde também permaneceu até a década de 80).


Os políticos recém-eleitos pareciam entender nos olhos de nossos habitantes a necessidade de uma explosão de esperanças para o município. Mas tudo aquilo que excede à normalidade tem um preço e o município em futuro próximo pagaria por ele.

Zeca Pereira dá início às obras da rede de esgoto, que até então não existia. Os dejetos eram descartados das residências através de fossas ou das chamadas “privadas de buraco”.
A obra parecia que iria virar Cabrália às avessas, mas seu benefício valeria a pena; melhoraria de forma significativa a qualidade de vida das pessoas.


FOTO: A construção da rede de esgoto do município
parecia que iria virar Cabrália às avessas.
Foi uma das obras mais importantes para nossa cidade.

Nessa mesma época várias famílias de chineses e árabes começaram a chegar a Cabrália atraídas pelo baixo custo das propriedades rurais e pelos antigos barracões de armazenamento de algodão desativados. Começaram a investir no município valores consideráveis que alavancaram nossa economia, tanto na área rural como no setor industrial, que contou com alguns daqueles barracões. Cabrália deve muito aos chineses e árabes, que muito ajudaram na oferta de emprego e renda em tempos difíceis.



Empolgado com os novos investimentos no município, o prefeito Zeca Pereira consegue dois convênios importantíssimos. A construção da Casa da Agricultura e da Escola Técnica Agrícola Astor de Mattos Carvalho.

FOTO:A casa da agricultura daria melhor apoio aos produtores rurais

O prefeito biônico não parava de construir. Fazia, em seu mandato, Cabrália se transformar em um grande canteiro de obras. Nessa mesma gestão, ainda realizaria muitas outras obras de relevância. Tinha também em mente um projeto audacioso e perigoso. Iria tentar incorporar o distrito de Paulistânia ao município de Cabrália Paulista – “O chão iria tremer” .


FOTO: A escola técnica agrícola foi construída na primeira gestão de Zeca Pereira. Hoje é orgulho e ponto de referência do município.


O Horto Florestal, onde o trem parou para abastecer-se de lenha – conforme foi relatado no capítulo anterior – era de propriedade da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e sua função era produzir madeira, o combustível das locomotivas. Sem combustível, as máquinas param e por isso o Horto não podia parar.
O homem que o vendedor de doces havia visto tocando o sino era conhecido como feitor do Horto, denominação que a empresa dava ao cargo (como se fosse administrador de fazenda). A mulher que estava em pé ao portão da casa era a sua esposa e as três crianças que brincavam no gramado eram seus filhos.

Chegava sozinho o feitor do Horto na pequena casa de comércio existente no local. O prédio era de madeira e o dono do comércio era um de seus melhores amigos. Um homem de traços bem italianos e que não tinha um dos braços. Era pessoa querida por todos.
O comércio dele era típico armazém de fazenda e servia o básico da subsistência do lugar. Era ponto de parada de muitos trabalhadores no final da tarde.

Naquele dia, o feitor trabalhou junto com os homens da colônia, na construção de uma ponte sobre o rio Alambari, no final de um dos carreadores que desciam até o rio, pouco antes da chamada “curva do canteiro”, na estrada para Cabrália. O povo, naquela época, chamava-a “ponte nova”, mas hoje, em Cabrália, é difícil achar algum pescador que nunca ouviu falar na “ponte velha”. O objetivo da ponte era ligar a região do Horto conhecida como “100 alqueires” à estrada de Cabrália, tanto para carga de madeira, como para o trajeto normal de pessoas.
O comércio naquela tarde estava bastante movimentado. Muita gente conversava e as risadas eram espontâneas.

O ex-vereador Joaozão estava lá. Era amigo íntimo do dono do comércio. Eram ademaristas fanáticos. Gostavam de ficar apetecendo alguns petiscos e discutindo política.
À volta do balcão do armazém estavam alguns funcionários do Horto que moravam na colônia e gostavam de tomar uma pinguinha antes da janta. Estavam também pequenos proprietários rurais dos arredores do Horto, que no momento compravam no armazém.
O feitor que estava perto da porta do armazém avistou um homem que vinha montado em um cavalo em frente da colônia dos trabalhadores. Era um velho amigo dele chamado Arlindo Cavarsan. O feitor e sua esposa chegaram ali em 1940 a fim de desbravar o sertão e não deixar jamais faltar eucalipto e logo fizeram amizade com Arlindo e sua família, que sempre moraram nos arredores. Mesmo a sede do Horto sendo o limite de município entre Cabrália e Piratininga, Cabrália era a cidade que todos ali consideravam como sede. Era onde as crianças estudavam, era onde tinham o domicílio eleitoral; enfim, era a cidade do povoado. O feitor era simpatizante do governador Jânio Quadros e do prefeito Zeca Pereira, contrariando a opinião de dois amigos seus que estavam no armazém.

Chega o cavaleiro em frente do estabelecimento. O cavalo que ele montava estava arredio e inquieto. Então, ele gritou lá de fora: “Estive em Cabrália hoje e o Zeca pediu para avisar que o Jânio vai passar amanhã no trem; é para lotar a estação”.
O feitor, para irritar os dois ademaristas, fingiu não entender e pediu para que o cavaleiro repetisse. O cavaleiro, já entendendo a cena, começou a sorrir e salivar bastante em cima do cavalo. E com todo o prazer repetiu a frase.

Foi quando o ex-vereador ademarista, não resistindo à provocação, grita de dentro do armazém: “Todo o mundo já ouviu, Arlindo. Vai soltar esse cavalo, que já o vi hoje cedo em Cabrália montado nele”.