terça-feira, 20 de julho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 13

Rompia outra primavera em Cabrália Paulista no ano de 1968 e muitos acreditavam que, se até o final do prazo para a realização das convenções partidárias municipais ninguém se apresentasse como candidato a prefeito, corria-se o risco de haver interdição do estado no município. Afinal, não existe cidade sem prefeito.

À custa de muita insistência por parte do partido que representava a situação no momento, o vice de Zeca, o senhor Antonio Moreno Garrido Sobrinho, aceita o desafio de se candidatar a prefeito do município. A oposição, por sua vez, não encontrou homem de tamanha coragem, sendo então Toninho Moreno o único candidato. Chegam as eleições e aparecem muitos votos brancos em protesto à crise financeira que assolava o município. Porém, a maioria absoluta aclama nas urnas o novo prefeito, que tinha como vice o senhor Benedito de Almeida Teixeira e a sexta legislatura, com mandato de 28/3/1969 a 31/12/1972, que ficou assim composta:

- Antonio Pimentel Filho;- Antonio Vaz de Lima;
- Francisco Krall;
- Domênico Antonio Ghinelli;
- Clóvis Magalhães de Mattos Carvalho;
- Hadeal Sing;
- José Lopes de Souza;
- José Soares Pereira;
- Nilton Portaluppi;
- Pedro Giacomini;


FOTO: O prefeito Antonio Moreno Garrido Sobrinho, durante a cerimônia simbólica de entrega das chaves.

Em menos de 90 dias de administração, o vereador Pedro Giacomini, por razões pessoais, renuncia ao mandato, assumindo sua vaga o suplente Antonio Geraldo Pereira. Em 8 de dezembro de 1971, o vereador José Lopes de Souza também renuncia e assume o suplente José Madrigal Ruda. O mandato turbulento, cheio de ocorrências e de renúncias de cadeiras legislativas, teria também um fim trágico no que diz respeito ao poder executivo.

O prefeito Toninho Moreno, como era chamado, após conseguir equilibrar as finanças do município, dá início à pavimentação da rua que futuramente receberia o seu nome. Mas não foi essa realização que marcaria o seu governo e sim a conquista daquilo que o município urgentemente precisava: a criação de emprego e renda.

FOTO: Maioria absoluta da 6ª legislatura do município. Da esquerda par a direita: Toninho Ghinelli, Nilton Portaluppi, Antônio Vaz de Lima, Zeca Pereira, Francisco Krall, Antonio Pimentel Filho “Badola” e José Madrigal Ruda.

A prefeitura, na época, realizava também uma obra de reforma e ampliação da Escola Técnica Agrícola, cujo diretor era um homem de descendência japonesa. Ele chama um dos funcionários da escola, o senhor Antonio Pimentel Filho, que também era vereador, e relata a ele que esteve em uma colônia japonesa, onde conheceu um empresário, que se mostrou interessado em expandir os negócios de ovicultura. A sede dos negócios estava instalada na cidade de Mogi das Cruzes. O empresário teria relatado que havia gostado muito da nossa região.

Então, o vereador procura o prefeito, que em seguida entra em contato com o diretor da empresa e o convida para uma visita ao município.
Durante a visita, o prefeito se dispõe a apoiar o empresário no que estivesse ao alcance do município. O empresário também mostra interesse em comprar uma área compatível com o seu empreendimento nos arredores do nosso perímetro urbano.

O vereador Antonio Vaz de Lima, que também trabalhava como corretor de imóveis, promete para o empresário que se empenharia em conseguir convencer o senhor Jorge Bez a vender sua propriedade e consegue ainda outro grande incentivo para a realização do negócio. Onde hoje fica a Fazenda Antonela era propriedade do senhor Merling Lowe, que se prontifica em doar alguns hectares da fazenda que fazia divisa com a área do senhor Jorge Bez, caso o negócio fosse concretizado para o bem de Cabrália. O vereador Vaz de Lima viaja a Mogi e marca uma data para um almoço na casa do prefeito de Cabrália com o proprietário da terra e o comprador. Do almoço, seguem para o cartório, para firmar o negócio. Dessa forma instalou-se no município a Granja Nagao (de Mário Nagao e outros), que a partir daí começou a contratar muitos funcionários, dando equilíbrio à economia de Cabrália. Em seguida, a Granja compra outra propriedade no município e, além da ovicultura, investe também na produção de frutas.

Com administração dos serviços na área agrícola do senhor Minoro Takeda, a Granja Nagao tranformava nossa arenosa terra para os padrões de cultivo e safras recordes que serviam de modelo na produção de frutas, atendendo mercados internos, em âmbito nacional, e externos.
Cabrália Paulista, seu povo e Granja Nagao... um bom encontro...talvez um dos melhores de nossa história.

Dizem que, para inaugurar Brasília, Juscelino Kubitschek exigiu dos setores competentes que grande parte da área rural que circundava a capital do país fosse ocupada por famílias de japoneses.
Certo dia, a colônia japonesa marcou audiência com o presidente da República e faz uma reclamação. “Excelentíssimo senhor Presidente da República, estamos felizes com a terra na qual fomos assentados...., mas a fertilidade é muito baixa, a terra é muito ruim”. E Juscelino responde: “Eu sei, por isso que eu preciso de japoneses”.
Os bons ventos sopravam a favor de Cabrália e seu povo. Em novos negócios de compra e venda, estimulados pela prefeitura e seu prefeito iluminado, empresas de reflorestamento iam-se instalando no município, gerando empregos e renda. A luz no fim do túnel brilhava em Cabrália.

Era final de julho de 1972. O prefeito de Cabrália teria de ir para São Paulo resolver alguns problemas ligados ao município e iria também visitar algumas secretarias em busca de novos convênios para a municipalidade. A creche de Cabrália havia ganhado uma cadeira de rodas e seus representantes aproveitam a carona juntamente com o prefeito e partem para a capital paulista.

Em um trevo da estrada, um ônibus corta a frente do carro que os conduzia. Acontece a colisão; algumas escoriações nos demais passageiros. Mas o prefeito de Cabrália....iluminado, que conseguiu para o nosso município o de que ele realmente precisava, morre tragicamente.

Em 26 de julho de 1972, o presidente da Câmara de Cabrália Paulista, senhor Nilton Portaluppi, usando de suas atribuições legais e amparado por legislação maior, declara então o vice-prefeito Benedito de Almeida Teixeira prefeito de Cabrália Paulista.

Benedito de Almeida Teixeira conduz o município com cautela, proporcionando-lhe uma tranqüila sucessão democrática, já que se aproximavam eleições municipais.

FOTO: Rua que futuramente receberia o nome do prefeito que a pavimentou.

Economicamente, era outra Cabrália! A Granja Nagao e as empresas de reflorestamento, somadas à corrida ruralista ao bicho da seda difundido na região faziam com que os horizontes de otimismo prevalecessem na aura do município.

O comércio de Cabrália daí por diante passaria a ter vida. A sofrida família de comerciantes acreditava ter encontrado o caminho para o sucesso. Loja cheia, coisa rara de se ver anteriormente, agora se via com frequência, mas o comércio é traiçoeiro: nem sempre loja cheia é sinônimo de loja lucrativa. O bom coração permitiu que um demônio chamado “fiado” dominasse o capital de giro do armazém. Levantamentos realizados na época mostravam a inviabilidade do negócio. Os irmãos Garbulio decidem então fazer uma mudança nos rumos da atividade.

Em Bauru já existia um tipo de comércio sem balcão de atendimento. O cliente se servia, colocando as mercadorias dentro de um carrinho e, no final da compra, passava pelo caixa. Foi seguindo esse modelo de comércio que inauguraram o Supermercado Vitória, com pagamento somente a vista. Foi negociado com os clientes para que continuassem comprando no estabelecimento e que as pendências anteriores fossem saldadas, acrescentando-as no valor das novas compras. Menos de 20% do valor total das pendências, de forma geral, seria recebido. Mas segundo o dito popular, “quando se perdem os dentes, Deus nos alarga a garganta”.
Cabrália, seu povo e, por conseqüência, seu comércio, sentiam claramente os bons ventos do progresso.




quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 12

Era primavera do ano de 1964 e o povo cabraliense absolvia Zeca Pereira nas urnas, confiando-lhe o segundo mandato como prefeito do município. Ele venceu o candidato da situação, apoiado pelo prefeito Toninho Ghinelli: o vereador Valdomiro Vieck.

O vice de Zeca Pereira foi Antonio Moreno Garrido Sobrinho e também tomava posse a seguinte Câmara de vereadores na gestão que ia de 28/3/1965 a 27/3/1969:
- Antonio Geraldo Pereira;
- Antonio Pimentel Filho;
- Antonio Vaz de Lima;
- Benedito de Almeida Teixeira;
- Clovis Magalhães de Mattos Carvalho;
- Domênico Antonio Ghinelli;
- Francisco Krall;
- Joaquim dos Santos Camponês;
- José Madrigal Ruda;
- Nylton Poartaluppi;
- Olavo Vieck.

A forma de governo imposta pelo prefeito seria a mesma que havia marcado seu primeiro mandato: construir sempre através de uma verdadeira obsessão em prosperar Cabrália. Se não conseguisse crédito no município, buscava em outras cidades da região, mas jamais se submeteria à inércia.

Encontrando dificuldades de aquisição ou pela inviabilidade de frete, a prefeitura desapropria parte da Fazenda São Luis, de Luís Checheto, e monta uma olaria.
A produção da olaria era para suprir a demanda de construção de obras que o prefeito Zeca Pereira já tinha em mente. Transformava então novamente Cabrália em novo canteiro de obras. Dava início à construção da nova cadeia (delegacia) de Cabrália. O prefeito desenvolve também na época um projeto municipal de construções civis, pelo qual a prefeitura construía o imóvel residencial e depois facilitava a forma de pagamento aos munícipes interessados. Dessa forma, dezenas de residências foram construídas em Cabrália, o que ajudou a população, ao realizar o sonho da casa própria, e diminuiu de maneira significativa o número de terrenos vagos na cidade.

FOTO: A Prefeitura da início as obras do prédio da Delegacia.

A prefeitura consegue adquirir outra máquina motoniveladora e o prefeito do município então tem outra idéia. Os leitores certamente se lembram da velha máquina motoniveladora que foi adquirida no governo de Francisco Bueno dos Reis, aquela sem a cobertura para o motorista, que tanto serviu o município e já foi citada várias vezes em capítulos anteriores.

Zeca Pereira convida o vereador Antonio Vaz de Lima para acompanhá-lo a uma viagem até o palácio do governo de São Paulo. As viagens do prefeito Zeca Pereira até São Paulo sempre foram marcadas por passagens folclóricas, segundo vários testemunhos e desta vez não seria diferente. Foi-me relatado que a gasolina do veículo que os conduzia acabou por várias vezes no caminho. Chegando à capital, pernoitaram no interior do veículo até conseguirem audiência. Conseguem então uma permuta com o Estado na velha motoniveladora com a pavimentação da Rua Mário Amaral Gurgel até na esquina da escola Senador Rodolfo Miranda e da Rua Francisco Bueno dos Reis entre a estação ferroviária até o Jardim Municipal.

FOTO: A primeira pavimentação em cabrália Paulista "desenhou" a letra "T" nas ruas Mario Amaral Gurgel e Francisco Bueno dos Reis

Também foi nessa gestão que foi construído o Mirante Club, que passou a ser o novo cartão postal do município e outro marco da administração de Zeca Pereira. A falta de lazer no município sempre foi motivo de reclamações, principalmente por parte da juventude. O Mirante Club passou a ser ponto de referência para os eventos festivos, entre eles os bailes de carnaval, que, naquela época, eram realizados geralmente em espaços internos. Os carnavais de Cabrália foram famosos e atraíram grande contingente de outras localidades.

Mas afinal, caros leitores, qual o significado da palavra mirante? Mirante, no sentido denotativo da palavra, quer dizer ponto elevado donde se descortina largo horizonte. Quando o município conseguiu sua emancipação político-administrativa, houve a divisão territorial entre os municípios e a cadeia montanhosa, ou seja, o mirante propriamente dito, que deu origem à denominação do vilarejo que no futuro tornou-se Cabrália Paulista, ficou pertencendo ao município vizinho de Piratininga (que outrora fora sede de Cabrália). O próprio título desta coluna (“O Mirante sem Montanhas”) demonstra claramente a situação.

FOTO: Os carnavais de Cabrália eram famosos na região

O segundo mandato de Zeca Pereira caminhava para seu crepúsculo e, novamente devido às obras realizadas, grandes dificuldades apareceram para dar equilíbrio ao orçamento, sendo as despesas fáceis de ultrapassar a precária receita do município, cuja recessão batia novos recordes.

Iríamos agora vivenciar um episódio curioso e inédito em nossa história. Aproximavam-se as eleições municipais e, devido talvez à crise financeira que o município atravessava, somada à grande recessão já mencionada (fato que culminava com uma baixíssima receita no orçamento), fazia com que ninguém se apresentasse como candidato a prefeito. Nem a oposição nem a situação apresentavam chapa para a disputa majoritária...ninguém queria ser prefeito de Cabrália.

Lutando para conseguir a sobrevivência no município, nossos personagens iam trilhando o rumo da história. O caçula da família de comerciantes casa-se com a filha do vizinho dos fundos, que já havia falecido. Sua sogra vende a casa ao vereador Antonio Vaz de Lima e a nova família vai morar na Rua Mário Amaral Gurgel. O irmão acima dele também se casa com a filha mais velha da família Sacoman e vai morar na antiga casa em que toda a família morava antes de comprarem a padaria, na Rua Fancisco Bueno dos Reis. O outro irmão, que havia tempos era casado e por muitas dificuldades na vida já tinha passado, muda-se para uma residência que ainda pertencia à Igreja, na esquina das ruas 7 de Setembro e 6 de Agosto. O mais velho dos irmãos da casa, o que ficara solteirão, tem seu quadro psicológico agravado. Torna-se depressivo e o caso evolui à psiquiatria. Para então de trabalhar, de tomar banho, de fazer a barba, de cortar as unhas, de trocar de roupas, começa a perambular pelas ruas e estradas da região e a fazer experiências malucas de alimentação à base de capim e ervas.
Um dos esteios da casa de repente se transforma em malvestido andarilho pelo mundo.

Para os leitores terem noção do quadro de recessão que tomava conta da cidade naquela época, a padaria (que era a única existente no município), na época, chegou a fazer meio saco de farinha de trigo por dia para sua demanda. Geralmente, contudo, em todas as tardes ainda sobrava pão para o cachorro Brucutu, o mascote da família.

Voltando ao irmão mais velho, oficialmente morava com sua mãe na casa dos fundos da padaria, junto com as irmãs, que ainda eram solteiras, mas era visto em quase todos os lugares da região e raramente em sua casa. No filme “Fuga de Alcatraz”, em certo momento chega ao presídio um novo detento que tinha em sua ficha de identificação uma importante observação que passa despercebida ao diretor do presídio: QI altamente elevado. Acredito ter feito falta essa informação aos hospitais psiquiátricos frequentados por nosso personagem, ou às pessoas normais que cruzaram seu caminho pelo mundo afora. Mestre no jogo de sinuca, quando chegava a algum bar da região, pedia para dar “uma tacada”, sendo geralmente hostilizado. Mas às vezes encontrava alguém que lhe concedia o taco. Acabava o jogo!

Muita gente começava a se reunir em volta da mesa. Quando observava que alguém começava a apostar em seu jogo, parava. Pegava seu saco cheio de bugigangas e ia embora. Para onde? Para outra estrada da região até algum conhecido avistá-lo e avisar sua família em Cabrália, que ia buscá-lo. Nos hospitais psiquiátricos onde ficou, os internamentos terminavam quando “abria a boca” para falar com alguém da chefia. Chegou até a ajudar na contabilidade de alguns. A alta do hospital era inevitável. Faleceria na próxima década, um ano antes que sua mãe, vivendo da forma que optou até seu último dia de vida.

A necessidade urgente de novos horizontes financeiros fizeram com que os irmãos alugassem o prédio de um tio paterno, prédio este que outrora fora a prefeitura e estava desativado, a fim de se aventurarem no ramo de secos e molhados, aproveitando que os proprietários que já estavam nessa atividade na cidade há muito tempo mostravam claramente o desejo de encerrá-las.


FOTO: Começavam a aparecer novos sanfoneiros na família.
Era preciso buscar novos horizontes.

O único candidato à cadeira maior do município que apareceria seria iluminado. Iria conquistar para Cabrália o que ela realmente mais precisava. Iria, porém, perder a própria vida por sua decisão.