sábado, 26 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 10

O pátio da estação ferroviária de Cabrália Paulista estava lotado de correligionários, simpatizantes e populares em geral à espera do trem que traria o então governador de São Paulo, Jânio Quadros, já em pré-campanha que o levaria até à presidência da república. Naquele dia, seriam entregues aos presentes os famosos broches de vassourinhas que eram seu lembrete de campanha. Os políticos locais estavam preocupados com o sumiço repentino do prefeito do município justamente na hora de o trem chegar. Quando aponta a locomotiva chegando à estação, junto com os vagões a surpresa: o prefeito de Cabrália estava no trem na mesma poltrona que Jânio ocupava. A população fazia a festa na distribuição dos brindes.

FOTO:O pátio da estação de Cabrália estava lotado. Zeca chega no trem na mesma poltrona que Jânio.

Encorajado com a forte aliança partidária com o governo do estado, o prefeito do município dá continuidade à sua sequência de obras. Na quadra abaixo da igreja matriz seguia a construção do jardim municipal. Os passeios centrais, assim como a arborização e os bancos, já estavam concluídos. O coreto e a fonte estavam em fase de acabamento. No início da administração, havia no local uma grande voçoroca que fora aterrada para o início das obras.


A praça, a partir daí, seria o marco da administração Zeca Pereira e um dos cartões postais do município. Naquela época, a rua da estação era a mais movimentada da cidade e ainda mais com a inauguração de um cinema nas proximidades (com recursos de origem privada), onde os filmes variados de aventura, romance e as comédias d
o Mazzaropi eram o programa quase que obrigatório da juventude da época.

FOTO: Vista aérea do jardim municipal em construção. Padre Sebastião de Oliveira Rocha abençoa a praça.



Com a construção da praça central, o trajeto entre a estação, o cinema e a praça passou a ser escolhido pela população, principalmente entre os namorados. Na área da saúde, a prefeitura consegue adquirir uma ambulância e constrói o prédio do posto de puericultura (onde hoje fica o destacamento policial) para atendimento infantil, especificamente.


A gestão do prefeito José Soares Pereira caminhava para seu final e as realizações do mandato eram visíveis. Construção do sistema de rede de esgoto, prédio da escola técnica agrícola, casa da agricultura, posto de puericultura, aquisição de ambulância e o novo cartão postal da cidade, o jardim municipal. Mas ainda para aquele mandato o prefeito tinha em mente um plano audacioso e perigoso. Iria tentar incorporar o então distrito de Paulistânia ao município de Cabrália, já que em sua origem as terras foram doadas pelo mesmo fundador e a distância do distrito era menor até Cabrália do que até Agudos ( sede do município a que pertencia Paulistânia).


Aproveitando o projeto municipal em andamento que levaria energia elétrica e telefonia ao bairro Floresta, sendo a distância entre o bairro Floresta e Paulistânia de aproximadamente quatro quilômetros, o prefeito resolve estender o projeto levando-o até Paulistânia, ultrapassando assim o limite de município. Foi-me relatado que na época existia em Paulistânia um grupo de proprietários rurais que tinham um forte vínculo de amizade com familiares do prefeito de Cabrália e liderariam o plano internamente dentro do distrito.

FOTO: O posto de puericultura (hoje destacamento policial): Atendimento infantil em específico.


O plano quase perfeito tinha por objetivo, através do benefício que fora dado à população de Paulistânia, conquistar a opinião pública do lugar e posteriormente, através de apoio do governo, propor plebiscito para que a população democraticamente escolhesse a qual município pertenceria o distrito (Agudos ou Cabrália Paulista).

Como para toda ação existe uma reação, por sua vez a reação contrária por parte do município de Agudos em defesa de seu distrito, com o apoio de Piratininga, que temia perder a comarca caso o plano de Cabrália tivesse êxito, foram mais fortes politicamente que o desejo cabraliense.

O governo estadual, percebendo o clima de impasse no caso, se absteve de medidas para a realização do suposto plebiscito que poderia culminar em violência. Cabrália ficou com o sonho e o prejuízo. Paulistânia e seu povo foram
beneficiados. Três décadas e meia depois, Paulistânia também conseguiria a tão sonhada emancipação política que Cabrália, na época, já havia conquistado.

Tenho certeza de que, dentro do coração dos dois povos, sempre pertenceremos uns aos outros, independentemente dos limites territoriais.


FOTO: O bairro Floresta se tornou a “sede” na tentativa cabraliense de incorporar Paulistânia à nosso município.



O terceiro mandato da história de Cabrália chegava ao seu final e, juntamente com os grandes avanços conquistados nos quatro anos do governo biônico, apareciam também as conseqüências de tudo aquilo que excede à normalidade. As despesas haviam ultrapassado, e muito, o valor da receita orçamentária. Fornecedores e servidores do município clamavam por soluções. O vice-prefeito e comerciante, Pedro Portaluppi (por sinal, um grande municipalista), que transformou mercadoria em crédito quando o município não o tinha, também estava preocupado.


O próximo prefeito que assumiria enfrentaria o duro desafio de administrar um município sem crédito e outro grave problema que era cada vez mais questionado com intensidade pelos moradores chamado de aforamento. Cabrália e seu povo venceriam mais esses obstáculos.
O golpe militar colocaria fim a todas as divergências partidárias.

O feitor do Horto Florestal que apareceu no capítulo anterior havia comprado uma casa na principal rua de Cabrália, na época. Estava em fase de adaptação ainda no novo endereço, já que havia mais de 20 anos residia no Horto. O imóvel então adquirido se confrontava aos fundos com o quintal do prédio da padaria do velho vendedor de doces, um dos nossos personagens em artigos anteriores. A vida dos vizinhos da padaria não estava fácil. “Em família numerosa sempre tem alguém que socorre, mas também sempre tem alguém com problema”. O velho pai da família, naturalmente pela ordem cronológica da vida, a cada dia parecia com menos condições de enfrentar a dura tarefa que o comércio exigia.

O alcoolismo, por sua vez, se mostrava a cada dia mais forte. Com sua cesta de pães e doces pelas ruas de nossa cidade tornava-se folclórico ao contar as pingas que bebia com a sequência numérica do jogo do bicho. Se estava no cachorro era sinal que já havia bebido cinco pingas. No jacaré, 15 pingas. À tarde, era normal o jogo chegar ao veado, vaca e em muitas vezes começar de novo no avestruz,...águia, etc. Nessa fase, o velho, que era também fumante, muitas vezes adormecia sentado e a chama do cigarro apagava entre seus dedos calejados sem que ele despertasse.

O filho mais velho, que por muitas vezes assumia a sanfona na ausência do pai, no “Bailão do Bauco”, na zona das meretrizes, agora era um dos esteios da casa e do negócio da família. Estava namorando uma moça, cuja família estava muito contente pelo fato de a energia elétrica ter chegado até a residência onde moravam, através do projeto desenvolvido pelo prefeito de Cabrália.

O moço, que vivia o auge do vigor físico, tentava administrar o desejo em consolidar a relação amorosa através do casamento, a liberdade de um solteirão e a importância de sua presença para a continuidade dos negócios da família. O primeiro irmão abaixo dele já havia se casado. Junto com a mãe da família era outro “leão” no trabalho, mas estava vivendo uma difícil fase em sua vida. Perdera uma filha com um ano e meio de idade e, havia poucos dias, a segunda filha, também com poucos dias de vida, falecera. “O comércio judia. Entre lágrimas, para sobreviver às vezes é preciso sorrir”.

A mãe de família, a fim de tentar minimizar a dor que abrangia toda a família, relatava que um dos irmãos seria gêmeo e um dia antes do parto, quando retirava água do poço da chácara, o sarilho do poço escapou de suas mãos e bateu em sua barriga, matando uma das crianças em seu ventre. A criança nasceria sem vida no outro dia. Seriam então os anjos de Deus. Em torno das 3h30 da manhã, o relógio despertador da padaria colocava a família em pé. Os mais velhos davam início ao trabalho e a “escadinha” da irmandade vinha logo atrás, cada um com sua tarefa.

Os mais jovens, em algumas tardes, pegavam algumas horas de folga e iam jogar bola, pescar ou nadar no banheirão (famoso poço do Rio Alambari, que ficava nas proximidades de onde hoje é a ponte da rodovia para Duartina).
O caçula arranjava um tempinho também para paquerar a filha do vizinho que acabara de mudar na casa, cujo quintal fazia fundos com a padaria.

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