segunda-feira, 29 de março de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 3

A Vila do Mirante, que ainda era bairro de Piratininga, dava fortes indícios que seria um lugar que explodiria rapidamente em crescimento econômico e demográfico. Começava a atrair investimentos de proporções consideráveis. Com projeto elaborado pelo engenheiro da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, eram abertas largas avenidas que já projetavam o novo vilarejo para a cidade grande que provavelmente seria. A zona rural era onde a população se concentrava e surgiam os pequenos bairros como Floresta, Jibóia, etc.

FOTO: O projeto arquitetônico de Cabrália Paulista seria para uma cidade grande e começou a incomodar as comarcas vizinhas.

Muitas casas eram construídas, casas comerciais e enormes barracões para o armazenamento de produtos agrícolas que eram escoados pela ferrovia (no trem de carga) e também por caminhões.


Ouvi o testemunho de um senhor natural de Cabrália, que se recorda em sua infância, de uma fila de caminhões desde o início da Rua Francisco Bueno dos Reis até a santinha do Asilo para carregar algodão nos barracões. O mundo católico, por sua vez, também via o vilarejo com esses olhos. Substituía a pequenina igrejinha de madeira com a construção de uma das maiores igrejas da região. Construía na mesma época, um enorme seminário no final de onde hoje é a Rua Mário Amaral Gurgel, mais precisamente nas imediações da Creche e Berçário Santa Maria Goretti até a entrada da Granja Céu Azul.


Com a ajuda da população da época, as duas obras foram terminadas. O mesmo morador que testemunhou a fila de caminhões, diz se lembrar que brincava no Seminário quando era menino. “Era um prédio enorme e quase todo de azulejo no seu interior”.


Outra atração de Cabrália na época que pode ser um observado na foto acima era o virador de locomotivas, o único da região.
(ver foto)

Ao mesmo tempo em que o vilarejo era a “galinha dos ovos de ouro” para a sede do município, passava também a ser uma ameaça e preocupação, porque já existiam lideranças na Vila do Mirante clamavam pela emancipação política (que se tivesse acontecido com uma década de antecedência, as previsões citadas no início do texto, se concretizariam). Além de perder a galinha dos ovos de ouro, existia também a preocupação das conseqüências que isso poderia trazer à sede do município. Portanto, a resistência obviamente era grande para que continuasse a ser distrito.


A família que foi citada no capítulo anterior, apesar de ser descendente de italianos, primeiramente foi trabalhar de meieiros num sítio de portugueses na cabeceira do Rio Preto. Estavam otimistas. Em pouco tempo já conseguiram dinheiro para dar entrada em uma chácara perto do vilarejo e já tinham se mudado para lá. Continuavam a plantar algodão, arrendando sítios nas redondezas onde trabalhavam com toda a família, inclusive a mulher, que só deixava o serviço nos últimos dias de gravidez (foram 18 no total) e nos 40 dias de dieta. Outro negócio que começava a dar bons lucros para a família era a extração de casca de árvore barbatimão e sementes de capim que o trem de caga levaria para diversos lugares.


O pai da família sabia tocar sanfona, e já ensinava ao filho mais velho os segredos do acordeom. Faziam “bicos” tocando bailinhos na zona rural. Porém, para ir e vir da Vila do Mirante para a chácara que moravam tinham que passar obrigatoriamente em frente outra zona... a das meretrizes, que ficava no final de onde hoje fica a Rua Francisco Bueno dos Reis. E eram sempre convidados para tocar nos bailes de lá. As gorjetas eram super interessantes, porém a esposa se irritava com a possibilidade de ver seu marido e seu filho tocarem em bailes num local que na época sofria ainda mais preconceito do que nos dias atuais. O “Não”, cheio de desculpas inventadas eram sempre as respostas para as meretrizes.

Infelizmente meus caros leitores, esta narrativa baseia-se na tentativa de, ao máximo, trazer a verdadeira história que o município de Cabrália viveu, e até mesmo os personagens que começam aparecer por essas “entrelinhas” não são ficção. Viveram de fato, e os acontecimentos narrados foram reais.

Gostaria muito de trazer nos próximos capítulos, contos maravilhosos..., porém, quanto a família que aparece na história... um ponto brilhante no céu, que quase ninguém viu, mudaria a forma de verem a vida e principalmente o sentido da palavra sorte. A futura Cabrália, por sua vez, iria começar a sofrer duros golpes





sábado, 20 de março de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 1 e 2

Nossa história começa no ano de 1719 e onde está o município de Cabrália Paulista,existia uma vasta floresta com predominância de arvores gigantescas,centenárias e muitas delas milenares, jatobas,perobas rosas, copaibas ,olho de cabras,eram as espécies que predominavam e não a vegetação de cerrado baixo como muitos imaginam.

Rompia mais uma aurora naquele ano de 1719 e um gavião João Cacaó do ponteiro de uma peroba rosa,a beira de seu ninho em uma touceira de orquídea do tipo Chamburghia punha fim ao silêncio da mata.A pouco mais de um quilômetro floresta abaixo uma saracura três potes também anunciava o final da noite.

Azulões,bicudos,curiós,sabiás,trinca ferros entre outras aves começavam também a disputar os efeitos sonoros da mata.Uma onça pintada havia abatido uma anta naquela noite quando a mesma se aproximava da barranca do rio Alambari o que afugentou o bando de capivaras que subia.

Naquela época nossa região era habitada por duas etnias indígenas: Os Oti-Xavantes nos arredores do rio Turvo e os Caigangues nas imediações de onde está a cidade de Bauru. Apesar da pouca distância entre as etnias a densa floresta fazia com que vivessem em harmonia, já que a região de cada tribo era suficiente para a sobrevivência de ambas tendo em vista a fartura de recursos naturais que a floresta oferecia através de sua fauna e flora exuberante.

A região de Cabrália Paulista em específico ficava entre estas duas nações indígenas e raramente alguns desses índios por aqui passavam deixando assim a rotina da floresta totalmente virgem sem a presença humana.


FOTO: Tronco de peroba-rosa extraída do município de Cabrália Paulista.

O ano de 1719 seria marcado para sempre na história de nossa região devido a decisão da igreja católica em expandir seu projeto de catequização, de Botucatu a uma área próxima aos Oti-Xavantes e a transformá-la em fazenda jesuíta. As margens do Ribeirão São Domingos, afluente do Rio Turvo entre onde está hoje os limites territoriais dos municípios de Paulistânia e Agudos estava portanto fincada mais uma bandeira da colonização do homem branco rumo ao interior brasileiro onde ao redor da igrejinha de madeira começou a se formar um pequeno vilarejo até ser denominado de São Domingos de Tupá.

No ano de 1873 o padre Francisco José Seródio da Província de Santa Cruz do Rio Pardo realizou um censo demográfico e constatou que Tupá tinha 3629 habitantes. As edificações eram todas de madeira e as nascentes das minas foram decoradas com pedras até chegarem ao ribeirão São Domingos,dando assim a Tupá uma arquitetura invejável aos padrões da época.Apesar de uma prosperidade eminente,Tupá,seus habitantes e a igreja católica tinham um problema em comum.Os índios Oti-Xavantes que ora corrompidos se mostravam amigáveis e fiéis quanto a ocupação do homem branco,outrora cada vez mais encurralados dentro de seu território que a cada dia ficava menor se tornavam arredios e violentos.

A fama de Tupá se espalhava por várias regiões e a colonização chegava em ritmo acelerado e junto com ela a grilagem das terras indígenas cuja a legislação na época não as protegia,prevalecendo a lei dos mais forte.

Um grupo de colonizadores trabalhavam na retirada de toras de perobas a alguns quilômetros da sede de Tupá. Saiam de carro de boi bem de manhã e durante o dia os bois serviam na movimentação das toras.A tardezinha chegavam a Tupá e desde aquela época já era comum a passadinha na venda,conversar com os amigos e tirar a poeira da garganta com uma boa cachaça. Os Oti-Xavantes durante décadas estavam sendo estimulados a se confrontarem com os Caigangues que por sua vez também eram estimulados a confrontarem com os Oti-Xavantes pelos colonizadores de sua região.A demora para perceberem que lutavam contra si próprios em vão e que estes confrontos só interessava aos colonizadores acabou por enfraquecer as duas tribos e a revolta era nítida no olhar de todo índio.

O pequeno comércio já estava cheio de colonizadores em mais um final de tarde em Tupá e ao longe se ouvia o sinal sonoro típico dos carros de boi dos cortadores de madeira em seu regresso.

Quando avistado se percebeu que o carro não tinha condutor e os bois atraídos pela querência (querência é um termo usado no meio rural que quer dizer: amor ou saudade do lugar. Querência foi também o nome atribuído até nos dias atuais a uma grande fazenda próxima de onde o fato aconteceu) retornaram sozinhos. Ao se aproximar do carro percebeu-se então a dimensão da tragédia. Junto com a madeira estavam os corpos dos trabalhadores com ferimentos típicos de ataque indígena.

Com frieza poderia pairar a indagação no ar se a chacina não poderia ter sido feita por homens brancos e atribuída aos índios buscando a perfeição do crime.Porém a revolta age de maneira mais voraz que a razão e estava então decretada a guerra contra os Oti-Xavantes em uma verdadeira cruzada caipira.Diante da superioridade numérica e bélica dos colonizadores não demorou muito tempo para o total estermínio dos Oti-Xavantes e seus corpos como troféus enterrados em valas comuns no cemitério de Tupá.

Aos poucos a vida parecia voltar ao normal mas a razão do desaparecimento de Tupá ainda estava por vir. O padre responsável pela paróquia era Andrêa Barra uma pessoa respeitada e querida por todos. Aquela época a figura do padre era de imensa importância a ponto de raramente se tomar alguma decisão sem seu conselho ,o que o tornava uma figura familiar e suas visitas nos lares comuns e freqüentes.

Certo dia um italiano morador de Tupá chega do trabalho e entra em sua casa e no interior da residência de madeira o italiano encontra o padre onde se da início a uma acirrada discussão. Ouve-se um disparo de arma de fogo. Populares que estavam próximos ao local correm até a residência e pasmam com o acontecido,o padre Andrêa Barra está morto.O italiano alega motivos pacionais para o crime.O cemitério de Tupá quase todo ocupado por índios Oti-Xavantes sepultados,ficaria pequeno diante do número de pessoas que participariam do enterro do padre.O desabafo de outro padre vindo de outra localidade mudaria para sempre o destino de Tupá. Não seria abençoado por Deus um lugar em que um padre é assassinado.Daí por diante todos os acontecimentos negativos de Tupá eram atribuídos ao epsódio e o desabafo do padre visto como profecia. As famílias amendrontadas começaram então a se mudar de Tupá de maneira que em pouco tempo o lugar parecia uma cidade fantasma.Aos poucos as casas de madeira iam sendo removidas e a extinção de Tupá estava decretada.

Com os antigos e legítimos ocupantes da terra os índios Oti-Xavantes dizimados e sem a presença dos colonizadores a região de Tupá ironicamente se transforma em um grande vazio geográfico.

Com o desaparecimento de Tupá novos vilarejos começavam a se formar pela região e na última década do século XIX a colonização já havia fincado sua bandeira em Agudos e Piratinga.Alavancados pela cafeicultura o desbravamento de nossa região ganhava força quando em 1905 os trilhos da noroeste do Brasil chegam a Santa Cruz dos Inocentes, o primeiro nome dado a cidade de Piratininga,que seria elevada a munucípio o em 1913.

Em torno de 1915 dois imigrantes europeus o português Manoel Francisco do Nascimento e o italiano Antonio Consalter(a denominação Longo viria depois devido ter grande estatura) adquirindo grande quantidade de terras da família do coronel Virgílio Rodrigues Alves chegam a Cabrália Paulista. As terras de Manoel Francisco do Nascimento era toda a vastidão territorial da margem direita do rio Alambari para quem desce o rio e o lado esquerdo era de Antonio Consalter Longo até onde hoje está o município de Paulistânia.

As picadas na mata densa era o caminho que levava a região de Cabrália até Agudos e Piratininga,as únicas portas para a civilização naquela época.

Antonio Consalter Longo então resolve doar 22 alqueires a diocese de Botucatu na forma de aforamento de datas a fim de incentivar a nossa colonização já que toda a região ainda continuava com sua vegetação original e uma permanência solitária diante da hostilidade da floresta seria certamente uma sentença de morte.

Em 1920 a igreja católica inaugura uma capela de alvenaria onde nos dias atuais estão as escadarias da praça Antonio Pereira em louvor ao senhor Bom Jesus do Mirante.Denominação dada devido a cadeia montanhosa de Agudos que passa também por Piratininga,caminho obrigatório para se chegar em Cabrália aquela época.

Ao redor da capela de alvenaria se formando o patrimônio bom Jesus do Mirante através de lotes cedidos pela igreja.A decisão de Antonio Consalter Longo em doar os terrenos para a igreja estava dando certo.Rapidamente construções de alvenaria começaram a surgir em volta da igrejinha.Por sua vez os dois fundadores vendiam glebas de terras as muitas famílias que por aqui chegavam atraídas pela vastidão territorial,madeira de lei em abundância e terras fertéis. As terras recém desmatadas produziam safras recordes,de coloração vermelha exuberante,enchia os olhos dos colonizadores.Porém o que poucos sabiam,era que nossa formação geológica fazia com que o solo fosse pouco resistente ao efeito das chuvas que a transformava rapidamente em areia. Semelhante ao solo de grande parte de florestas tropicais o solo é rico apenas com sua vegetação nativa e se enfraquece quando se torna nu. O efeito das chuvas fazia com que voçorocas também fossem aparecendo e após o enfraquecimento do solo ao invés da regeneração das espécies que predominavam anteriormente outras de crescimento mais rápido iam aparecendo. Começava então a se formar os campos de gabiroba e barba timão no lugar que outrora estavam as madeiras de lei. Desmatava-se outras glebas e novas safras excelentes viriam e novos campos de cerrado iam aparecendo após o abandono das culturas agrícolas. A peroba rosa em espécie era considerada o ouro das florestas e em Cabrália existia em grande quantidade e apesar da vastidão territorial sua extração aos poucos ia mudando o perfil da flora da região.

Em 1922 pela lei 1893 o patrimônio Bom Jesus do Mirante,torna-se distrito do mirante município de Piratininga e no início de 1924 começa a ser servido pela linha férrea onde é construído o prédio que receberia a denominação de Estação Cabrália.

Com a chegada da ferrovia a colonização do futuro município se acelerou de maneira significativa e casas comerciais começavam a surgir.


FOTO: Estação ferroviária de Cabrália Paulista no início de sua colonização. À frente tronco de peroba-rosa parcialmente destruído. Nos faz lembrar da letra da música Meu País:
"Se a natureza nunca reclamou da gente, do corte do machado, a foice, o fogo ardente, e se nessa terra tudo que se planta dá..."

Antonio Consalter Longo e sua mulher eram italianos e fixaram seu domicílio em uma grande construção de alvenaria próximo de onde nos dias atuais está o prédio da prefeitura municipal de Cabrália Paulista. Era um homem com visão política o que explica o lado esquerdo do rio Alambari ter se urbanizado. Para a ferrovia seria mais viável o curso dos trilhos seguirem pelo lado direito do rio o que evitaria a construção de um pontilhão para chegar até Duartina. Porém o distrito do Mirante já estava formado o que obrigou a condução da malha ferroviária até ele.

Manoel Francisco do Nascimento fixou seu domicílio em área rural do distrito do Mirante já que suas terras ficaram fora do que seria o perímetro urbano mais precisamente a esquerda da foz do rio Preto afluente do Alambari.Era homem de hábitos simples e sua esposa descendente indígena,provavelmente de etnia Oti-Xavante ou Caigangue que estiveram mais próximas.

O atual cemitério de Cabrália Paulista seria inaugurado em 1926 e não existe inscrições de sepultamento da família de Manoel Francisco do Nascimento o que leva a crer que o casal faleceu antes desta data e provavelmente foram sepultados no antigo cemitério de Cabrália que ficava mais adiante do atual, pouco alem da a Água da Jacuba ou então em sua própria propriedade, naquela época era comum as pessoas serem sepultadas próximas de suas residências.

Manoel Francisco do Nascimento não tinha nenhum parentesco com o comerciante Manoel Francisco que viria depois, tendo os dois seus nomes perpetuados em vias públicas da cidade de Cabralia Paulista.

Os filhos de Manoel Francisco do Nascimento após a morte de seus pais venderam o restante de suas terras e se mudaram para a região de Lucianópolis e nada mais soube-se deles.

Fato curioso que deve ser destacado foi quando a esposa de Manoel Francisco do Nascimento, que provavelmente já era viúva, avistou a locomotiva “Maria Fumaça” pela primeira vez se embrenhou mata afora com medo do “grande cavalo de ferro que fuma”.

A história indígena no continente americano mostra uma imposição do homem branco invadindo o território e ditando o ritmo da colonização, mudando o rumo de uma cultura milenar que harmoniosamente com o ecossistema, sobreviviam como qualquer outra espécie.

A resposta ditada pelo cacique norte americano Seatle em 1854 a um mensageiro do presidente daquele país que insistia para que os índios desocupassem a área onde viviam mostra claramente esta realidade.

“ A CARTA COMPLETA DO CACIQUE SEATLE”

SEATLE 1854

No ano de 1928 o distrito do Mirante impressionava pelo seu crescimento rápido a ponto da empresa comercial de propaganda Brasil Sp fazer o seguinte comentário”Todo município de Piratininga é riquíssimo ,mas a perola desse município é o distrito do Mirante,com lavouras novíssimas,em franca prosperidade,pertencentes á agricultores competentes,terras muito boas e produtivas. Situa-se a 28 km da sede em um lindo planalto. A montanha era o caminho para se chegar ao distrito do Mirante mas por ironia do destino no distrito do Mirante não existia montanhas, ficava em um planalto.

Apitava mais uma vez o trem chegando á estação ferroviária de Piratininga.Pessoas desciam a perguntar onde ficava o distrito do Mirante e eram informados que ficava bem depois daquele mirante(cadeia de montanhas existentes em Piratininga).Voltavam para o trem que os levariam a 28 km adiante.Mal sabiam que a altitude média do lugar que iriam era de 511 metros em um planalto.