quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 9

Aproximava-se a terceira eleição municipal de Cabrália Paulista e, apesar dos grandes avanços conquistados nas duas primeiras gestões, ainda faltava muito para Cabrália oferecer a seus moradores a qualidade de vida que muitos dos municípios vizinhos já haviam conquistado. Aqueles que conseguiram a emancipação política em datas anteriores largaram na frente e podiam oferecer mais oportunidades aos seus habitantes.

Cabrália já havia progredido bastante: tinha luz elétrica, água encanada, melhor escola para as crianças; a máquina motoniveladora ajudava muito no controle das voçorocas, tanto nas ruas como nas estradas rurais. Mas ainda era muito pouco e muitas famílias que aqui chegaram no auge do algodão e da colonização, que sonhavam com as terras férteis e paraíso das perobas-rosas, agora já se deparavam com outra realidade: o novo município com poucos recursos e com nova fama de “terra de gabiroba e calangos verdes”. Não resistindo, começaram procurar seus sonhos em outras cidades da região.

A vizinha cidade de Duartina foi o lugar que mais acolheu esse contingente populacional. Grande parte das famílias de Duartina e até mesmo seus ancestrais moraram em Cabrália primeiro. Talvez por isso sejam municípios tão ligados afetivamente.

No município,porém, existiam também famílias que pensavam de outra forma. Por amor ao município que tinham como “pátria” ou pelas necessidades que aqui adquiriram, felizes ou infelizes, seria nesta terra que terminariam seus dias. Em muitas estradas da vida encontram-se, às vezes, dimensões pelas quais é impossível voltar atrás. O preço do retorno seria a conclusão de um fracasso. Acredito ter sido com esse pensamento que se compôs o quadro político de Cabrália Paulista em seu terceiro mandato, de 27 de março de 1957 a 27 de março de 1961.

Foi eleito como prefeito do município o jovem José Soares Pereira, que estava prestes a se formar em direito. Era filho mais velho de Antonio Pereira, o maior empresário do município e um dos maiores da região no setor agropecuário. O vice-prefeito eleito foi Pedro Portaluppi, o maior comerciante do município (com atividades estabelecidas por muitos anos no prédio onde hoje é o Supermercado São José, antigo Praiano).

FOTO: O Prefeito Zeca Pereira, ao lado de seu vice Pedro Portaluppi e vereadores durante missa na igreja matriz.

Já a Câmara de Vereadores foi composta da seguinte maneira:
- Alfredo Mendes Rosa;
- Antonio Vaz de Lima;
- Antonio Moreno Garrido Sobrinho;
- Astor de Mattos Carvalho;
-Humberto de Toledo Pappa;
- Benedito de Almeida Teixeira;
- Joaquim dos Santos Camponês;
- José Madrigal Ruda;
- Matheus Riga de Oliveira;
- Olimpio Mangilli;
- Teodoro Faria da Costa;

O prefeito Zeca Pereira toma posse e o prédio da prefeitura logo passa a ser em outro local, agora na esquina a um quarteirão acima do endereço antigo, entre as ruas Mário Amaral Gurgel e 6 de Agosto (onde permaneceu até a década de 80). A Câmara Municipal logo mais também mudaria de endereço. Foi para onde hoje é a Rua Antonio Moreno Garrido Sobrinho (local onde também permaneceu até a década de 80).


Os políticos recém-eleitos pareciam entender nos olhos de nossos habitantes a necessidade de uma explosão de esperanças para o município. Mas tudo aquilo que excede à normalidade tem um preço e o município em futuro próximo pagaria por ele.

Zeca Pereira dá início às obras da rede de esgoto, que até então não existia. Os dejetos eram descartados das residências através de fossas ou das chamadas “privadas de buraco”.
A obra parecia que iria virar Cabrália às avessas, mas seu benefício valeria a pena; melhoraria de forma significativa a qualidade de vida das pessoas.


FOTO: A construção da rede de esgoto do município
parecia que iria virar Cabrália às avessas.
Foi uma das obras mais importantes para nossa cidade.

Nessa mesma época várias famílias de chineses e árabes começaram a chegar a Cabrália atraídas pelo baixo custo das propriedades rurais e pelos antigos barracões de armazenamento de algodão desativados. Começaram a investir no município valores consideráveis que alavancaram nossa economia, tanto na área rural como no setor industrial, que contou com alguns daqueles barracões. Cabrália deve muito aos chineses e árabes, que muito ajudaram na oferta de emprego e renda em tempos difíceis.



Empolgado com os novos investimentos no município, o prefeito Zeca Pereira consegue dois convênios importantíssimos. A construção da Casa da Agricultura e da Escola Técnica Agrícola Astor de Mattos Carvalho.

FOTO:A casa da agricultura daria melhor apoio aos produtores rurais

O prefeito biônico não parava de construir. Fazia, em seu mandato, Cabrália se transformar em um grande canteiro de obras. Nessa mesma gestão, ainda realizaria muitas outras obras de relevância. Tinha também em mente um projeto audacioso e perigoso. Iria tentar incorporar o distrito de Paulistânia ao município de Cabrália Paulista – “O chão iria tremer” .


FOTO: A escola técnica agrícola foi construída na primeira gestão de Zeca Pereira. Hoje é orgulho e ponto de referência do município.


O Horto Florestal, onde o trem parou para abastecer-se de lenha – conforme foi relatado no capítulo anterior – era de propriedade da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e sua função era produzir madeira, o combustível das locomotivas. Sem combustível, as máquinas param e por isso o Horto não podia parar.
O homem que o vendedor de doces havia visto tocando o sino era conhecido como feitor do Horto, denominação que a empresa dava ao cargo (como se fosse administrador de fazenda). A mulher que estava em pé ao portão da casa era a sua esposa e as três crianças que brincavam no gramado eram seus filhos.

Chegava sozinho o feitor do Horto na pequena casa de comércio existente no local. O prédio era de madeira e o dono do comércio era um de seus melhores amigos. Um homem de traços bem italianos e que não tinha um dos braços. Era pessoa querida por todos.
O comércio dele era típico armazém de fazenda e servia o básico da subsistência do lugar. Era ponto de parada de muitos trabalhadores no final da tarde.

Naquele dia, o feitor trabalhou junto com os homens da colônia, na construção de uma ponte sobre o rio Alambari, no final de um dos carreadores que desciam até o rio, pouco antes da chamada “curva do canteiro”, na estrada para Cabrália. O povo, naquela época, chamava-a “ponte nova”, mas hoje, em Cabrália, é difícil achar algum pescador que nunca ouviu falar na “ponte velha”. O objetivo da ponte era ligar a região do Horto conhecida como “100 alqueires” à estrada de Cabrália, tanto para carga de madeira, como para o trajeto normal de pessoas.
O comércio naquela tarde estava bastante movimentado. Muita gente conversava e as risadas eram espontâneas.

O ex-vereador Joaozão estava lá. Era amigo íntimo do dono do comércio. Eram ademaristas fanáticos. Gostavam de ficar apetecendo alguns petiscos e discutindo política.
À volta do balcão do armazém estavam alguns funcionários do Horto que moravam na colônia e gostavam de tomar uma pinguinha antes da janta. Estavam também pequenos proprietários rurais dos arredores do Horto, que no momento compravam no armazém.
O feitor que estava perto da porta do armazém avistou um homem que vinha montado em um cavalo em frente da colônia dos trabalhadores. Era um velho amigo dele chamado Arlindo Cavarsan. O feitor e sua esposa chegaram ali em 1940 a fim de desbravar o sertão e não deixar jamais faltar eucalipto e logo fizeram amizade com Arlindo e sua família, que sempre moraram nos arredores. Mesmo a sede do Horto sendo o limite de município entre Cabrália e Piratininga, Cabrália era a cidade que todos ali consideravam como sede. Era onde as crianças estudavam, era onde tinham o domicílio eleitoral; enfim, era a cidade do povoado. O feitor era simpatizante do governador Jânio Quadros e do prefeito Zeca Pereira, contrariando a opinião de dois amigos seus que estavam no armazém.

Chega o cavaleiro em frente do estabelecimento. O cavalo que ele montava estava arredio e inquieto. Então, ele gritou lá de fora: “Estive em Cabrália hoje e o Zeca pediu para avisar que o Jânio vai passar amanhã no trem; é para lotar a estação”.
O feitor, para irritar os dois ademaristas, fingiu não entender e pediu para que o cavaleiro repetisse. O cavaleiro, já entendendo a cena, começou a sorrir e salivar bastante em cima do cavalo. E com todo o prazer repetiu a frase.

Foi quando o ex-vereador ademarista, não resistindo à provocação, grita de dentro do armazém: “Todo o mundo já ouviu, Arlindo. Vai soltar esse cavalo, que já o vi hoje cedo em Cabrália montado nele”.

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