terça-feira, 25 de maio de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 8

Estávamos chegando ao final do mandato de Francisco Bueno dos Reis, quando a notícia que a cervejaria havia se instalado na vizinha cidade de Agudos caiu como uma bomba sobre Cabrália e seu povo. Como toda notícia de catástrofe, procura suas causas e responsáveis. Desta vez não seria diferente.

FOTO: O Prefeito Joaquim dos Santos Camponês (sentado de óculos) teve um governo equilibrado por investir os poucos recursos do município nas prioridades.

Conversas populares condenaram muitos inocentes sobre o episódio, que se analisarmos de maneira imparcial, veremos que a escolha da cervejaria por Agudos teve razões transparentes. Para uma grande empresa tomar a decisão em se instalar definitivamente em um local são analisadas as condições gerais, e infelizmente na época Cabrália poderia oferecer somente a matéria-prima (água). O principal meio de transporte era o trem. Uma grande empresa não pode depender exclusivamente de outra para escoar sua produção.


Em Cabrália, na época, os meios de acesso rodoviário eram lastimáveis. Nem se quer a Bauru-Ipaussu sem pavimentação existia, muito menos nossa via de acesso a ela. As precárias vias rodoviárias de Cabrália eram: para Duartina (a mesma antiga estrada sem pavimentação).

Para Piratininga e Bauru eram duas opções: seguir sentido Horto Florestal, Brasília Paulista, Alba, ou seja, margeando a ferrovia ou a estrada que seguia rumo a região onde hoje fica a represa da granja, encontrando a estrada que leva até Piratininga e que nunca foi pavimentada. Para Agudos a estrada passava em frente a Escola ETE Astor de Mattos Carvalho , seguia nas proximidades da Fazenda Real até achegar em Agudos. Existia também a estrada para Santa Cruz do Rio Pardo, que seguia o traje
to do Bairro Floresta-Paulistânia e Espírito Santo do Turvo. Todas as estradas mencionadas ficavam intransitáveis em épocas chuvosas e até mesmo tratores e jeeps traçados tinham dificuldades em trafegar.

Na época, Agudos, por sua vez, já era margeada pela rodovia que liga Bauru a Botucatu, que hoje conhecemos por Rodovia Marechal Rondon. Com certeza, este foi o fator decisivo para a instalação da cervejaria naquela localidade, onde a qualidade da água também foi satisfatória.
A falta de infra-estrutura de modo geral também foi fator negativo para Cabrália. Acusações que fazendeiros haviam impedido a instalação da cervejaria devido à concorrência de mão-de-obra aconteceram de maneiras caluniosas, provavelmente com o objetivo de denegrir a imagem de pessoas para fins eleitoreiros.

Na segunda eleição para prefeito e vereadores de Cabrália Paulista foi eleito Joaquim dos Santos Camponês. Neste pleito tá existiu o cargo de vice-prefeito, que foi ocupado por Clóvis Magalhães de Mattos Carvalho. A Câmara, agora por 11 cadeiras com mandato de 27/03/1953 a 26/03/1957, foi composta pelos seguintes vereadores:
- Alfredo Mendes Rosa;
- Astor de Mattos Carvalho;
- Benedito Calisto Bertoldo;
- Benedito de Almeida Teixeira;
- Francisco Bueno dos Reis;
- João Alves Barbosa;
- João Giancomini;
- José Soares Pereira;
- José Vanzo;
- Luis Gonzaga Nascimento;
- Olindo Magili.



Na mesma época em que os eleitos tomavam posse na prefeitura e câmara, na paróquia do Senhor Bom Jesus o padre Sebastião de Oliveira Rocha assumia a responsabilidade de comandar o povo católico de Cabrália Paulista. Na época mal ele sabia que seria o padre que mais tempo ficaria no município em toda a história. Só deixaria a paróquia em sua morte, em 19 de abril de 1981, vítima de diabetes.


FOTO:Os recém-amigos. Padre Sebastião de Oliveira Rocha e o vereador João Alves Barbosa "Joãozão"(homem de confiança de Ademar de Barros no município) .“Apetecendo uma cervejinha”. Seriam amigos para sempre.



O governo de Joaquim dos Santos Camponês seria marcado pelo equilíbrio em aplicar os poucos recursos do município nas prioridades. Terminou o prédio da escola Senador Rodolfo Miranda e a inaugurou, tirando as crianças da antiga escola de Cabrália (onde hoje fica o mercado central). A principal realização do governo Joaquim dos Santos Camponês foi trazer água encanada para as residências, que por ironia do destino, na cidade que sonhava em sediar uma grande indústria no ramo de cervejaria, sua população não tinha água encanada, dependia da extração em poços que toda residência tinha nas proximidades para consumo de seus moradores.

FOTO: A escola Senador Rodolfo Miranda foi inaugurada
no governo de Joaquim dos Santos Camponês.


A construção da caixa d’água de Cabrália (com recursos próprios), que até hoje abastece nossas casas foi o “cartão postal” da administração de Joaquim dos Santos Camponês. O segundo prefeito eleito em nosso município ficou lembrado eternamente por melhorar a qualidade de vida da população.


FOTO:Somente em meados da década de 50 que a água encanada chegou às residências de Cabrália Paulista.

Os novos comerciantes da cidade tinham vários motivos para estarem felizes. O novo negócio ia muito bem, além da panificação, centralizavam o negócio na produção de doces. Apesar da origem rural, alguns membros da família já haviam feito “bicos” em uma fábrica de doces de um parente próximo e tinham noção do empreendimento. A água encanada saindo pela torneira era coisa inédita para a maioria dos membros da família e servia até de brincadeira para as crianças que ainda existiam na casa, apesar de vários irmãos já serem adultos e até casados. Os doces produzidos eram vendidos no varejo e também nos pequenos bares e mercearias da região. A dívida com o proprietário do sítio que emprestou o dinheiro para entrarem no negócio em poucos anos foi quitada. O pai da família que até então estava sendo o mentor de tudo, a partir daí tomaria uma postura diferente. Dizia já estar velho e daquela data para frente seriam seus filhos que iriam conduzir as coisas. Apesar de ter filhos com idade suficiente para o sucesso nos negócios, tinha também crianças dependentes. Os mais velhos tiveram a dura responsabilidade em suas mãos sempre ao lado da mãe, que trabalhou intensamente até o fim da vida. O velho pai da família começou a fazer tarefas mais leves.


Certo dia, o velho embarcou no trem com uma cesta cheia de doces e foi vender no distrito de Brasília Paulista. Além da cesta, teria de carregar também para o resto de sua vida o alcoolismo adquirido talvez nas noitadas como sanfoneiro na zona das meretrizes.
Descia com sua cesta de doces em uma das ruazinhas de Brasília Paulista quando o trem chegou à estação. Continuou no mesmo passo quando um conhecido gritou para ele: “Corre, senão o senhor perde o trem”. – O velho respondeu: “Nessa vida a gente só perde aquilo que a gente tem, e eu nunca tive trem”. Na verdade nem que ele quisesse não conseguiria mesmo correr. Quando faltava em torno de 100 metros para chegar à estação o trem partiu. O velho parou e disse ao jovem que estava próximo a ele: “Eu vou no outro”. Doou ao jovem dois doces que sobraram na cesta e subiu para o bar próximo da estação tomar algumas cachaças até que o outro trem chegasse. No bar perguntaram a ele em tom de ironia por que não havia corrido para alcançar o trem. E o velho respondeu “que já estava preparado para entender que na vida não se corre, que na vida se anda”.

Enfim, embarcou no próximo trem que era o último do dia. Quando chegou ao Horto Florestal o trem parou para abastecer com as lenhas que ficavam empilhadas ao lado dos trilhos. O vendedor de doces então começou a observar da janela o movimento das pessoas na sede do Horto Florestal. Um homem tocava um sino que haviam colocado próximo a um armazém, no alto de um poste. Estava acontecendo uma simulação em caso de incêndio para que todos os funcionários atendessem ao chamado imediatamente. A direita uma mulher observava o movimento do portão de uma casa. Em frente a essa casa havia uma igrejinha de São Sebastião e entre dois prédios, um grande gramado onde dois meninos e uma menina brincavam. O trem apitou e começou a se movimentar. A menina que brincava acenou para o trem que partia. O velho vendedor de doces colocou o braço para fora e devolveu o aceno para a menina. Naquele momento ele jamais poderia imaginar que na década seguinte ela se casaria com seu filho caçula.

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