sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 6

Havia terminado a segunda guerra mundial. A economia começava a se estabilizar e um novo decreto governamental no ano de 1946 alterava novamente o nome de Cabrália. Desta vez, para Pirajaí, em homenagem aos peixes cor de prata abundantes na época no rio Alambarí. Segundo a justificativa, Cabrália estava sendo confundida com Santa Cruz de Cabrália, na Bahia, onde, segundo a história, Pedro Alvarez Cabral aportou pela primeira vez em nosso continente. Pirajaí, na análise particular deste narrador, foi o nome que mais tinha a ver com a realidade do lugar. Os peixes cor de prata do rio Alambarí em muito ajudaram na alimentação do povo cabraliense durante sua colonização. Aliás, durante a história já se lembraram por duas oportunidades do Mirante em denominação de bairro e prédio público de Cabrália Paulista, Mirante esse que nossos ancestrais tanto lutaram para se libertar. Pirajaí (os peixes cor de prata do Rio Alambarí) ficou esquecida.

A denominação Pirajaí, porém, perdurou por bem pouco tempo (46-47). Novo decreto governamental alterava novamente o nome do lugar de Pirajaí para Cabrália Paulista, com a justificativa de que Pirajaí estava trazendo maiores confusões ainda com Pirajuí e Piraju. O povo não sabia mais o nome do lugar onde moravam. Em uma década quatro nomes diferentes: Mirante, Cabrália, Pirajaí e Cabrália Paulista. Na verdade, pelo fato de a cidade ainda não ser elevada a município, a sua população não tinha verdadeiros representantes para defender seus interesses. Era sempre um barco sem rumo, onde o vento levava para lugares incertos.
Cabrália Paulista...Cabrália Paulista...Cabrália Paulista. Este nome nos traria sorte. Iríamos se emancipar politicamente em breve.

Apitava o trem chegando à estação de Cabrália Paulista. Desce um homem e procura as bases dos emancipalistas da cidade a mando de um possível candidato a prefeito da cidade sede do município e marca uma data para o suposto candidato conversar com as principais bases emancipalistas de Cabrália Paulista. No dia da reunião, o suposto candidato a prefeito da Comarca fez a seguinte proposta, segundo testemunhas que viveram a época:
“Vocês há muito tempo querem a liberdade com a emancipação política. Vocês votam em Cabrália, porém para os candidatos da sede do município. Sou pré-candidato a prefeito da sede do município. Se o povo cabraliense em massa para um só candidato da sede, ele certamente ganhará o pleito. Quero propor um acordo com vocês: se for eleito não irei me opor a liberdade de Cabrália Paulista”.

Obviamente as bases dos ideais de emancipação queriam uma garantia sólida e as indagações vieram naturalmente. Mas, o homem tinha “cartas na manga”.
“Dois deputados estaduais estão entrando com projeto de lei na Assembléia Legislativa que eleva o distrito de Cabrália Paulista a município de Cabrália Paulista aos quais vocês também devem votar em massa”. Projeto de lei nº 233/48 que em sua justificativa dizia “Cabrália Paulista não é de ninguém. É de todos, de ontem, de hoje e de sempre. O Brasil foi descoberto por Pedro Alvarez Cabral, não foi por outro e Cabrália Paulista também tem seus fundadores (Manoel Francisco do Nascimento e Antonio Consalter Longo”.

No decorrer do período, foi realizado no distrito de Cabrália Paulista um plebiscito que indagava os eleitores sobre a vontade popular da emancipação política. O resultado foi quase que unânime.

Após as eleições, na qual o povo cabraliense compareceu em massa, teve o projeto de lei 233/48 normal tramitação na Assembléia e sem contestação foi sancionado em 24 de dezembro de 1948.
Segundo a história, foi a primeira vez em que foi realmente cumprido um acordo político com o povo cabraliense, já que o mesmo vinha acumulando seguidos golpes.”Liberdade...liberdade. Abre as asas sobre nós”.

Vejo como um dever citar aqui alguns que lutaram pela emancipação política de Cabrália Paulista, como Joaquim dos Santos Camponês, Francisco Bueno dos Reis, Astor de Mattos Carvalho, Benedito de Almeida Teixeira, José Benedito Dias da Cruz, Manoel Francisco, Matheus Riga de Oliveira, José Vanzo, Severino Coquemala, Mário Amaral Gurgel, Pedro Portaluppi, irmãos Cotobias Pimentel, irmãos Garbúlio, família Pereira, família Ghinelli, família Cardoso Felício e tantos outros que hoje têm seus nomes perpetuados em nossas vias públicas, que foram verdadeiros heróis para a emancipação política administrativa de nosso município ser conquistada.

FOTO: Cabrália Paulista consegue sua emancipação política e a falta de infraestrutura seria um dos desafios para as administrações que viriam. As voçorocas pelas ruas eram outro grave problema, como se vê na esquina onde hoje fica o banco Santander.

As meretrizes e os freqüentadores da zona adoraram o bailão que foi tocado pelo nosso personagem do capítulo anterior. Já marcaram muitos outros pela frente, Quando o pai da família não podia ir, mandava o filho mais velho em seu lugar (que também era sanfoneiro). A festa era a mesma.


Como a chácara que a família morava não era tão longe do local dos bailes, muitos dos freqüentadores começaram alugar o pasto da chácara para seus animais (geralmente proprietários rurais da região) e acabavam por fazer amizades com os sanfoneiros. Zona era lugar de quem tinha dinheiro e ter amizade com quem tem dinheiro sempre abre novos horizontes e a família numerosa nunca perdia empreitadas rurais que frequentemente apareciam. Porém, como esta narrativa tem também caráter de documentário e não poderia de relatar o lugar violento que se transformou a zona das meretrizes de Cabrália, onde inúmeros homicídios aconteceram e, segundo relatos, eram comuns corpos amanhecerem jogados no final da rua (onde hoje é a Rua Francisco Bueno dos Reis), inclusive um proprietário de animal que o guardava na chácara em uma noite levou vários tiros no tórax. Ninguém nunca mais procurou o cavalo, que acabou ficando para a família trabalhar na lavoura, A mãe da família lavava roupa para fora na mina que nascia na chácara ao pé da árvore soita-cavalo. A família toda trabalhava pelas empreitadas por aí. A sanfona na zona rendia mais dinheiro do que muitas lavouras de cereais, aluguel de pasto. Não demorou para comprarem uma casa na cidade e mudarem para lá. A velha casinha branca da chácara (no final da Rua José Madrigal Galhardo) que foi berço de tantos que ali nasceram ameaçava desabar. Na cidade tudo parecia melhor e mais fácil.


De tradição católica participantes sofriam com os sermões dos padres da época, que sabiam da
fama dos músicos e sempre desferiam críticas pesadas aos “antros de perdições” como se referiam às zonas das meretrizes. Mas o pai e o filho mais velho como sanfoneiros titulares do lugar por lá permaneceram por longos anos. Dizem que “quem já nadou contra a corrente sabe usar o vento a favor” e dançar conforme a música em um país que desde aquela época um sanfoneiro da zona já ganhava mais do que muitos produtores rurais.

FOTO: Imagem aéra mostra como era parte da
Rua Franciso Bueno dos Reis na época.

As prostitutas sempre foram alvos de chacotas, vale lembrar o episódio amplamente divulgado pela imprensa quando o senador Antonio Carlos Magalhães debatia sobre um projeto de lei com outro parlamentar e foi chamado de velha prostituta. Antonio Carlos Magalhães durante o episódio respondeu ao colega: “não perca seu tempo se preocupando com as prostitutas. Elas também pagam seus impostos e além do mais as prostitutas trabalham”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário