sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Mirante sem Montanhas: Parte 4


A calmaria parecia fazer morada na Vila do Mirante. Os negócios agropecuários continuavam a ser a alavanca do futuro município. Na grande igreja recentemente construída ainda faltava o planejamento para o acabamento de sua torre e nos finais de semana parecia ter sido construída muito pequena diante de grande número de pessoas, principalmente vindas da zona rural. Foi-me relatado que onde hoje está a Praça Antonio Pereira, havia se formado uma grande erosão em forma de Y, que de maneira curiosa e provisória acabou se tornando um curral natural onde cercaram as pontas do Y. O curral servia para as pessoas guardarem seus animais e aos domingos, segundo os relatos, chegou a existir um tipo de feirão de rolo de animais.

FOTO: Cabrália já teve um seminário semelhante ao de Agudos e foi demolido sem nunca ter sido inaugurado.

Naquela época, se referindo à animais, tropa ...era moeda forte e de troca. As quadrilhas de ladrões de cavalo, como eram chamadas, existiam por todos os municípios e fronteiras como Piratininga, Agudos, Lucianópolis, etc, eram consideradas como hoje levar um carro para o Paraguai e vice-versa.


Um dos fundadores de nosso município e dono de grande parte de terras existentes por aqui na época havia doado os terrenos para a construção da igreja e do seminário. Pelo que percebi, era um homem centrado e firme. Vivia intensamente as necessidades da época. Por sinal, época de quem “não almoçasse, iria ser jantado”. O padre responsável pela paróquia do Senhor Bom Jesus dependia em decisões de outras paróquias, de sedes já emancipadas e diversos padres da região, em datas especiais, também apareciam por aqui esporadicamente. Segundo consta, muitos desses padres eram proprietários rurais e nos municípios vizinhos participavam também das políticas locais(naquela época era comum padres e bispos serem também proprietários rurais, etc). O padre , quando por aqui estava, tinha bom relacionamento com o fundador, inclusive, de acordo com relatos, chegaram até a fazer negócios particulares ligados ao ruralismo entre si.


Um belo dia, o fundador teria revelado ao padre que em uma data marcada iria se ausentar com a família e revelou ainda que por motivos particulares provavelmente demoraria a voltar. Pasmem meus caros leitores! Quando nosso fundador retornou de viagem se deparou com o seminário todo demolido, carregado em caminhões e levado embora.

“Às vezes o inimigo mais prerigoso é aquele que ninguém tem medo” Várias versões percorreram os ouvidos dos cabralienses sobre este episódio ao longo dos anos.

Porém, as versões vindas de fontes ligadas a Igreja sempre prevaleceram. Se hoje analisarmos friamente a natureza do episódio, veremos certamente que teve caráter político duplo. Foi um balde de água fria frente às pretensões de emancipação política e aos seus defensores na Vila do Mirante. Mesmo que o seminário pouco alterasse a parte econômica do lugar, o fator negativo psicológico falou muito alto, e ainda pela infelicidade de se aproximar a 2ª Guerra Mundial, fato que viria a parar o mundo e principalmente onde a base populacional era de europeus e descendentes, como era o caso da Vila do Mirante. Com poucas informações sobre os acontecimentos que recaiam sobre a Vila do Mirante e do mundo, a família citada nos capítulos anteriores havia centrado seus negócios para a extração de semente de capim gordura que se avermelhava em flor no final do mês de maio pelas terras recém desmatadas tinham colhido a última safra de algodão (a terra se enfraqueceu e as colheitas já não eram mais as mesmas) e devolvido o arrendamento a um português proprietário da terra que fica a margem direita do Rio Alambarí. Fato curioso foi que no dia em foram colher a última soqueira de algodão o pai da família plantou por brincadeira, cerca de meia dúzia de mudas de eucalipto que havia sobrado dos que plantou em sua chácara. A terra que nunca mais foi explorada para cultivo teve a mata regenerada e as toras de eucalipto podem hoje ser vistas de longe quase 80 anos depois de seu plantio no meio da nova mata que ressurgiu.

O capim braquiara, como é popularmente conhecido, é natural do continente africano e naquela época ainda não era difundida no Brasil e a formação de pastagens era com capim nativo, como o caso do gordura, famoso para o gado leiteiro.

FOTO: Mata do município de Cabrália que a cerca de 80 anos atrás já foi terra de cultivo de algodão. Sem a presença do homem, a natureza encontra formas e se regenera.

Tinham grandes encomendas de sementes a entregar para as fazendas do final da linha. Somente a família não deu conta da empreitada e foi preciso contratar mais gente. A colheita daria para saldar todas as dívidas. As meretrizes continuavam a insistir para que o sanfoneiro tocasse nos bailes. A tuia estava cheia de sacas de capim gordura a serem entregues. O céu estrelado daquela noite gelada do mês de junho já mostrava o ponto luminoso que foi citado no capítulo anterior. Naquela madrugada ele iria tocar o solo da antiga Cabrália.

Nenhum comentário:

Postar um comentário